sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A Vigília da Meia-Noite - Capítulo IV


Onde os Pontos se Cruzam




Sábado. Sandra Alcântara entrou em um edifício em Santana, subiu até o quarto andar e tocou a campainha do número 42. Quando o morador atendeu ela entrou entusiasmada, da ultima vez que se viram foi na frente do prédio dela na Vila Gustavo; Tinham ficado meio íntimos, lá no bar do Alves, onde ela se embriagou e contou pra ele como ela entrou naquele meio.
                O pai a obrigou a praticar em estandes de tiro e aprender defesa pessoal quando a mãe morreu em um assalto, ela era faixa preta em caratê shotokan e improvisava bem no boxe chinês. Roberto contou que seguiu no exército por causa da família, o pai havia se aposentado da corporação e o irmão era tenente coronel, ele já era primeiro-tenente logo seria capitão; Descobriram também que tinham um mês de diferença, ele era de outubro de 1963, ela de novembro.
Sandra trabalhava na datilografia do jornal Folha de São Paulo apesar do bom dinheiro que recebia do pai, lá conseguia informações interessantes, o que explicava a papelada que ela carregava. Roberto pediu para ela deixar os papéis na mesinha da sala de estar e sentar, foi até a cozinha e voltou trazendo duas cervejas. Quando voltou ela havia espalhado os papéis em cima da mesa, pegou a cerveja e começou a explicar.

- Você sabe quem foi Arnaldo Teixeira certo?

- Sei, bicheiro e traficante, peixe grande.

- Teixeira tinha um sócio, ninguém sabe quem, mas tinha. Eu falei com um contato na prefeitura e solicitei a escritura do armazém.

                  Sandra mostrou a assinatura, uma era claramente de Arnaldo Teixeira, mas a outra era muito peculiar para discernir iniciais. Beto olhou para Sandra, captou a euforia em seu sorriso, ela havia matado a charada antes de vir à casa dele.
- Quem é ele Sân? Quem é o sujeito?  – Roberto era corroído pela ansiedade
- A única pessoa que conseguiria calar o bico dos policiais que rondam as bocas de fumo do centro, que poderia comprar um galpão por lá, você viu o nome dele no caminhão naquela noite, sendo que no inquérito da polícia nem a placa dele consta. – Sandra explica rapidamente, como se fosse óbvio.
- O caminhão, eu achei que fosse roubado. Era das “Farmácias Pache...”
- Oswaldo Pacheco; Dono de metade dos empreendimentos da zona oeste e centro, tem seu próprio píer no Porto de Santos. – Sandra completou a frase, enquanto uma pontada forte de euforia fez Beto se levantar do sofá.
- Como você descobriu? – Ele perguntou se movendo impaciente, para o divertimento da garota.
- O caminhão que tava no armazém tá no pátio de apreendidos, hoje ele saiu pra céu aberto, saiu em nota lá na redação, eu fui lá dizendo que ia reconhecer o carro de uma amiga, eu sei que é aquele. – Ela sentia a própria agitação, até então sob controle, entrar em sintonia com a dele.
                  Beto viu a mochila da moça ao lado da porta, fosse lá o que ela estivesse tramando, seria essa noite. E ele estava nos planos dela.Certo Azaleia, aonde vamos?
                 Em outra parte da cidade, no Tremembé, um rapaz colocou alguns utensílios inusitados em uma mochila e fechou um estojo de violão. Saiu de um conjunto de prédios e foi em direção à zona norte; Havia visitado o caminhão apreendido quando soube de sua liberação à ala pública e sabia de quem era e de onde vinha, queria ter certeza de uma suspeita.
               Não diferente dele, uma jovem loira acabava de sair do pátio de apreendidos da polícia, lá o encarregado a deixou à vontade para procurar o “carro do namorado”, foi quando ela viu o notório caminhão da operação de cocaína e reconheceu de nome e rosto seu dono; Ia cortar a garganta de mais uma grande figura, mas primeiro sentia necessidade de uma justificativa, averiguar ilegalidades com esse tal de Oswaldo Pacheco. Na saída agradeceu o guarda; “Hoje não está sendo o dia de sorte de ninguém” brincou ele. A jovem saiu, rumo ao terminal de cargas da vila Sabrina, zona norte.
Às 22:30, Sandra e Beto chegaram à esse mesmo endereço, o portão do depósito privado do Pacheco de onde saíra o caminhão, o plano era simples: entrar e verificar os caminhões procurando algo ilegal. Na entrada do portão Sul eles pularam o muro sem problemas, sem guardas, ali dentro os dois agacharam ao lado da guarita.
- Eu sei que não é nada de especial, mas...leva isso. –  Beto entregou à Sandra uma Beretta, sentia algo estranho aquela noite, como uma pressão fora do normal em seus ouvidos, um calafrio na nuca.
                 Ela pegou a pistola com técnica, sem colocar o dedo no gatilho, checou o pente e travou a arma.
- Eu sei que cê tá preocupado Beto, mas hoje à noite é tranquilo. – Azaleia pôs a mão em seu ombro com a intenção confortar o rapaz, tentando esconder qualquer sinal de apreensão que ela também sentia.
                Do outro lado do depósito, num estacionamento na área Leste, um sujeito de porte grande colocava uma carranca chinesa no rosto e retirava catanas dum estojo de violão. Ouviu passos atrás dele, quando estavam próximos o suficiente ele se levantou e girou uma catana na direção do ruído. A lâmina parou a vários centímetros da traqueia de uma linda jovem loira que sorria para ele.
- Sentiu minha falta querido? Eu ia entrar sozinha, mas quando te vi chegando... pensei que você podia me convidar pra entrar.
                O rapaz abaixou a lâmina, reconhecendo o “Rouxinol”, aquela garota estava começando a irrita-lo. Mas viu uma brecha, aquela situação não lhe dava margem para outro final; Teria de atura-la ou abortar a missão.
- Olha, gata... Eu vou falar numa boa, a gente vai fazer juntos, mas se me atrapalhar... – Ele apontou o dedo na cara dela, o que pareceu tê-la incomodado mais que a lâmina.
- Você me entrega pra polícia, grande vigilante. Fechado. – Ela segurou o dedo dele e balançou como se sela-se um acordo.
                O “Rouxinol” foi andando na frente, mas “Da Yu” a deteve, pensou por um instante que tudo estava errado, sentiu um calafrio. Resolveu encerrar a aflição.
- Espera, antes... Sou o Dave. – Ela abriu outro sorriso, mas dessa vez não de deboche ou desdém, e respondeu Não tira sarro, tá? Camilla Di Sarto. – Ela o olhava esperando comentários maldosos
- Di Sarto? Acho que eu já ouvi falar. –  Dave respondeu meio desatento, fechando a bolsa e o estojo de violão.
- É, deve ter ouvido falar do meu vô... – Rouxinol acrescentou, ajeitando as luvas.
- O velho que eu vi na tevê, num documentário esses dias sobre vigilantismo. É...Bacana. – Ele tentou emendar o elogio por último para não parecer indiferente, a garota percebeu e riu, ajeitando o cabelo atrás da orelha.
- Então , Dave. Vam’lá!

                Entraram no armazém; Os quatro, porém de lados opostos. Do portão Sul, o Bandeirante e Azaleia, sem fazer barulho; Do portão Leste, Rouxinol e Da Yu, com a mínima preocupação já que era tarde da noite e não havia seguranças. Em poucos metros se encontraram em um pátio que dava entrada ao pavimento central, na junção Leste-Sul. Ao sinal de problemas, o pensamento comum foi unanime e compreensível de seres humanos, o ataque.
                Azaleia tinha guardado a pistola na cintura e tinha as mãos livres, nas costas estava a besta, Rouxinol também não carregava armas à vista, ambas se enroscaram em uma luta impressionante, de muita técnica, se estudando.
Azaleia usou chutes baixos que confundiram Rouxinol, tempo suficiente para um Tate Zuki, um soco de caratê que acertou a loira em cheio. Rouxinol riu, cuspiu o sangue da boca e tirou o cabelo do rosto; Esperou a adversária dar combate, quando veio o chute alto Rouxinol segurou a perna da moça na altura da cocha, inutilizando-a, com o braço livre aplicou um soco no peito de Azaleia; Ela foi ao chão gemendo e tossindo, por pouco tempo, logo levantou e se pôs em posição de combate, relanceando a visão em seu parceiro.
                Da Yu usava apenas uma catana, e atacava pausadamente, mas com precisão, o Bandeirante retirou um porrete do alforje e puxou uma faca, Defendeu-se bem por um tempo, mas não evitou alguns cortes bem doídos; Até que a catana fincou em seu porrete, ele aproveitou a deixa e chutou Da Yu com força nas partes baixas, deixando-o fora de combate. Quando se voltou à sua parceira, sentiu as entranhas revirarem; Azaleia estava no chão, desacordada, o hematoma no rosto já evidente, sua oponente agora encarava o Bandeirante.
O Kickbox da moça veio ardendo, jebs pesados e uma sequência de chutes altos, batendo durante dois minutos inteiros. Enquanto se defendia, Roberto pensava na situação; Azaleia era ótima lutadora, ele só a venceu na viela porque usou o elemento das ruas, assim como fez com seu oponente, mas essa mulher era mestra, e também sabia jogar sujo pra vencer. Na deixa certa ele se abaixou ao sinal do chute alto e deu-lhe uma rasteira.
“Estamos perdendo tempo” pensou quando imobilizou a adversaria no chão, ela resistiu bem, muito contra sua vontade foi que ele lhe deu soco no rosto da garota, que parou de se debater na hora e sorriu com raiva pra ele, o fuzilando com o olhar; Ele retirou a máscara do rosto, depois arrancou a máscara do rosto da dela, cuja face estava vermelha como um pimentão. Azaleia se levantou atrás dele, assim como Da Yu.


- Por Que?!

           A pergunta veio simultânea na boca dos três, menos Rouxinol que ainda matava o Bandeirante em seus pensamentos; Da Yu se adiantou para os dois, mas viu a arma que Azaleia apontava para ele, desdenhou levantando as mãos como um sinal de rendição. Ninguém disse nada por um minuto, foi Azaleia quem quebrou o silêncio. Tá legal, eu não sei que porra foi essa, mas caramba...
- Essa gente não trabalha aqui, Azaleia! Meu palpite é que tão aqui porque mataram o Teixeira, e vieram ver o sócio dele. – Roberto pôs pra fora algo que já ruminava, não estavam fazendo essa besteira sozinhos, pelo menos não esse tipo de besteira.
- Mas ele não está aqui, Bandeirante. – Sandra observou ainda um pouco tensa.
                Foi então que o Bandeirante soltou Rouxinol e a ajudou a se levantar, limpou o sangue que escorria pelo canto da boca dela meio que pedindo desculpas; A menina que já estava corada ficou escarlate, os quatro se encararam. Foi a vez de Da Yu e Rouxinol; Dave tirou a “carranca”, seu cabelo estava bagunçado, Azaleia achou justo, abaixou a pistola e ficou sem máscara também.
- Eu e Rouxinol viemos aqui pra ver os caminhões, só isso, até vocês dois aparecerem. – Dave coçou o queixo, decidindo o que fazer.
- Gostei dos chutes garota! Um conselho de professora: Precisa levantar a guarda depois que acertar seu oponente. – Rouxinol pegou sua máscara da mão do Bandeirante, se dirigindo à Azaleia.

                O Bandeirante teve que concordar com a moça quanto a isso; Se sentiu mal com a situação, estavam ali como eles para investigar um mistério que diz respeito à sociedade que faziam parte, qualquer um tinha o direito e obrigação moral de estar ali, pelo menos era o que pensava.

- Me... NOS desculpem, a gente julgou muito cedo, meu nome é Roberto Paiva e essa é a Sandra...

- Sandra Alcântara. – Azaleia se apresentou, tinha ficado alguns passos atrás do Bandeirante, se adiantou e ficou do lado dele. Os dois resumiram suas partes da história até ali.
- Entendo porque vocês estão metidos nisso, se vieram aqui é por causa do armazém. Engraçado, investigamos o mesmo caso, um fez a parte do outro. Camilla Di Sarto, “à seu dispor”. – Rouxinol se apresentou, zombando em uma reverência exagerada, o Bandeirante se mostrou inquieto ao ouvir o nome da menina.
- Eu não sei, tinha ouvido falar do movimento vigilantista voltando, mas ainda não engoli essa história direito, meu nome é David Guerra, me chama de “Dave”. Então... pro pavimento central “Bandeirante” ? – Dave brincou com o rapaz de venda amarela, havia percebido que por enquanto uma parceria resolveria o problema.
                Tinham ficado naquele pátio vazio por tempo demais, logo foram cercados por cerca de 20 homens com pistolas e espingardas; usando jaquetas pretas. Todos usavam um boné preto com o símbolo de uma companhia de segurança privada. Os dois casais se aproximaram, ficando juntos ao sinal do perigo. De cima, numa sacada no primeiro andar daquele pavimento, veio uma voz áspera e autoritária.
- Boa noite, todos ouvimos balburdia aqui deste lado e viemos verificar. Pena, parece que cheguei atrasado, perdi uma boa briga. – Oswaldo Pacheco se apresentou sem rodeios, um homem asseado, na casa dos sessenta anos, um pouco gordo, os cabelos que ainda possuía eram prateados e cresciam apenas nas laterais, seus óculos eram grandes e quadrados. Falou com o ar indiferente de um homem que lidava com um grau um pouco mais elevado de situações macabras; Como se previsse e se preparasse para algo do tipo.

- Eu esperava agentes de inimigos meus, mas vejo que são apenas jovens se adiantando para as festividades de fevereiro! Vou confessar que cheguei a ficar nervoso com esses probleminhas que vem acontecendo. – O velho havia retirado seus óculos de lentes grossas e limpava-as, quando voltou a falar foi para seus “empregados”; Demonstrando o mínimo de interesse aos garotos.

- Senhores, agora que já descobri a pedra no meu sapato, nesse caso as pedras... Queiram, por favor, tira-las dele. – Ao terminar sua sentença ele se virou e entrou no prédio, seu problema fora resolvido.


Ler - Capítulo III

domingo, 1 de novembro de 2015

A Vigília da Meia-Noite- Capítulo III


A Recaída Anunciada



                Beto Paiva levantou quase meio-dia em seu apartamento em Santana, era domingo de novo e era seu dia de folga no quartel. Desceu à rua e caminhou até a esquina em direção ao orelhão, inseriu fichas e telefonou para o pai, conversou por alguns minutos e ao desligar o telefone, percebeu que era observado por um senhor que estava sentado num banco próximo.
- Que bela sexta, não Roberto? Depois de uma noite pesada que nem a última, deve ser bom estar de folga.
- Ótima, seu Nicco ...É verdade, é bom tá de perna pro alto...

                Era um italiano nacionalizado, que apesar de seus sessenta e tantos anos aparentava estar ainda em boa forma física, lia um jornal onde Beto se atentou à manchete no verso da página. “SUSPEITO DE TRÁFICO DE DROGAS ENCONTRADO MORTO EM BOATE”. Ao perceber o interesse do rapaz pela noticia, entregou-lhe o jornal fazendo comentários sobre a mesma.– Arnaldo Teixeira, todo mundo sabia que ele era um bicheiro de marca maior! O que mais me intriga é que ele morreu esta madrugada, às duas da manhã, mesma hora em que a polícia afirma ter ocorrido confronto no armazém da boate dele. Não havia bebidas lá, só um caminhão cheio de cocaína, quatro homens inconscientes e dois mortos.

                Beto sentiu um aperto no peito, sabia bem quem era seu vizinho, Niccoló Di Sarto era celebridade no bairro, volta e meia o “Couraça Vermelha” e sua esposa recebiam visitas de fãs ou repórteres, em uma época onde vigilantes eram vistos como um movimento nacional genuíno. Se alguém podia suspeitar dos nuances de Beto era ele, teve de improvisar uma desconversa – Velhos hábitos não mudam certo seu Nicco? Quem o senhor acha que foi? Dom Pindorama? Ou o Gralha? – Beto ensaiou uma risada convincente, o velho lhe lançou um olhar de avaliação enquanto acendia um cigarro.

                Durante a tragada Beto sentiu o que estava por vir, seu Niccoló soltou a fumaça pela boca e falou com muito marasmo – Meu filho, vou te dizer uma coisa. Eu tenho bagagem... Experiência com coisas que a maioria das pessoas não tem. Se tem alguém por aí vendando o rosto pra fazer esse tipo de coisa... – Ele fez uma pausa quando tragou o cigarro, olhando avaliativo o rapaz – ...Pode ter certeza que a policia sabe, mas está esperando a hora certa! Já houve sinais demais durante esses dois meses, muito malandro fechando negócio ao mesmo tempo.
 Uma senhora saiu no portão da casa do outro lado da rua, era a típica idosa italiana, rechonchuda e baixinha, os cabelos que um dia foram de um castanho fortemente avermelhado já estavam quase totalmente grisalhos; Chamava seu Niccoló para dentro, os dois homens se despediram com um aperto de mão. Beto apertara a mão de Niccoló algumas vezes, sempre com um aperto forte, só que desta vez ele descobriu a verdadeira força daquele senhor que o olhava profundamente nos olhos.

- Até qualquer hora menino, trate de andar com um olho na nuca.

- A gente se vê, seu Nicco.

                Niccoló entrou em casa e da porta observou com a esposa o rapaz entrar no prédio, ela percebeu sua preocupação e sabia do que se tratava, então insistiu – Deixe disso Nicco! É só um rapaz do quartel com problemas demais. – Ela olhou o marido intrigada.

- Eu vejo muito de mim naquele garoto, Carmella...! Quarenta anos atrás eu vivia o mesmo estilo de vida dele. – Niccoló devolveu o olhar da esposa, ciente de que ela havia entendido o sentido da frase.

- Chega dessas suas suspeitas, sua neta vem vindo! Camilla vem lá do Jabaquara pra te ver e já vai chegar! – Os dois foram até a cozinha, ela foi até o fogão e ele se sentou para ralar o queijo, continuaram a conversa sobre Roberto Paiva, chegando à conclusão que sua neta não necessitava saber nada sobre tais suspeitas. Ela mesma falava muito de como a policia havia relaxado nos últimos anos.
                Finalmente a moça tocou a campainha por volta de 12:30 para a contrariedade do avô que almoçava meio-dia  em ponto. A avó abriu-lhe a porta e lhe deu um abraço apertado, Camilla Di Sarto era loira, em seus vinte e poucos anos, de mais ou menos 1.70 de altura. Sentou-se ao lado do “vovô Couraça” como gostava de brincar.

- Então, piccola? Qual é a chance desse velho te ver nas próximas olimpíadas? – Seu Nicco a chamou pelo apelido de criança, que significava “pequena”.

- Pois é, meu amor! Eu e seu avô esperávamos te ver em Seul no verão, que houve? – A avó perguntou analisando os cabelos da garota, ainda não gostava da ideia de vê-la morando longe e sozinha.

                Ao som da pergunta, a moça mandou uma garfada enorme de Cappelletti. Não Queria contar aos avós que não foi às Olimpíadas na Coréia do Sul porque não quis, era ótima ginasta, praticava Kickbox desde os 13 anos e foi à França, em 1986, para aprender Jiu-jitsu e um esporte obscuro chamado “Parcour” voltou à pouco tempo e alugou um apartamento no Jabaquara.

- Ah vovô, eu... Não passei no processo seletivo. Mas sabe, eu tenho progredido muito no espaço onde eu trabalho, talvez eu comece a dar aulas de kickbox por lá.– Niccoló se esforçou para parecer feliz, não gostava do envolvimento da neta com um esporte tão violento. Dona Carmella adorou; Ver a neta vencendo na vida já era o suficiente para deixa-la feliz.

- Ahh, que alegria, Camilla! Que orgulho, não é Nicolló? Seu avô era um ótimo boxeador também.

- Eu nocauteei alguns sim, mas foi só você quem me nocauteou Mella. Se lembra do Bondinho?

                Todos riram, Nicolló esqueceu-se dos problemas, o passado era aonde ele mais gostava de voltar, fazia dois meses que ele o namorava, com tudo o que estava acontecendo. Começou com as histórias habituais, às 13:45 ele terminou suas histórias, contando como o “Couraça Vermelha” e a “Fillet Sautant” finalmente desmontaram uma quadrilha de agiotas, prometendo nunca mais usar uma máscara. 

- É vovô...O senhor soube do Arnaldo Teixeira, foi morto sábado e a policia tá afirmando envolvimento, mas tá na cara que não foram eles, o senhor acha que... – Nicolló ergueu uma sobrancelha, a neta havia seguido sua linha de raciocínio, ele simplesmente sabia. 
                 Disse a ela que não tinha certeza de muita coisa, mas que realmente era fora do comum. Anoitecia quando a jovem saiu da casa dos avós, ao portão se despediram, a moça havia tirado o casaco e só então Nicolló e Carmella notaram a tatuagem no ombro da menina, que usava uma regata.

- Tatuagem é, piccola? – Niccoló falhou miseravelmente em esconder a revolta.

- Minha filha...é... bonitinha! – Dona Carmella conseguiu ser mais sutil, levantando a alça da regata para analisar o pássaro desenhado nas costas da neta.

- 'Brigada vovó, é um Rouxinol. Até semana que vem!

Ler - Capítulo II