segunda-feira, 18 de julho de 2016

2644 - EPISÓDIO III: Proveta

        Poucas coisas no final do século XXII eram de tanta tradição quanto o centenário prédio da TAG-Tech no Vale do Silício. Após os primeiros contatos com as civilizações avançadas de Alfa Centauri e de Kraxshanä, no quadrante gama da Via Láctea; a ideia terráquea de tecnologia foi completamente alterada, bem como a visão do ser extraterrestre.
         Isso porque a clássica visão criada há mais de 200 anos, nos inocentes meados do século XX; reproduziam à comunidade oriunda de outros corpos celestes como seres extremamente conectados com tecnologia de ponta, e intelecto superior. Não estavam em tudo errados, a iniciativa de exploração interplanetária de várias raças era avançada, mas poucas a exerciam tão bem quanto a Terra.
         Diversas culturas alienígenas, como as tribos em Titã; atribuíam seus estranhos conhecimentos do campo quântico e físico à magia de seus deuses. De fato, outras culturas com diferentes sistemas fisiológicos fantásticos, como anulação de gravidade pessoal, resistência molecular ou telepatia física; começaram a despontar para os recém iluminados seres humanos, a ideia de seres maiores no Universo.
         Na Terra, a típica controvérsia conspiratória humana tornava um impasse a crença em "deuses espaciais". A verdade que corria nos segmentos mais sigilosos e conectados aos guetos extraterrestres tanto na Terra quanto na Lua, era de que essas divindades eram os primeiros seres vivos à habitar o Universo. Formas de vida tão poderosas que moldaram o próprio campo quântico universal, que para a cultura humana, traduzia-se em uma única palavra ancestral: Magia.
         Durante a confecção da raça dos homens, culturas como os Yrdruianos e os Moonh'Waaks lunares fizeram diversas abordagens à tribos terrestres. Os antigos Vikings deviam sua cultura aos H'as Kraad, e criaram seus deuses asgardianos. Os mesopotâmios cultuavam os Annunnaki, uma raça de humanoides de longas tranças e barbas de quase três metros de altura. Os Egípcios faziam oferenda aos P'Hàrös, e tornaram seus líderes os primeiros faraós. Já os índigenas americanos entraram em contato com a civilização do lado escuro da Lua. Os índios Mohawks americanos eram de fato híbridos de seres humanos com os humanoides mais semelhantes ao homo Sapiens que já foram encontrados.
         Os Moonh'Waaks da Lua tinham a pele avermelhada próximo ao pardo, olhos um pouco maiores do que seus parentes humanos, geralmente de íris esmeralda ou púrpura. Partilhavam do mesmo sistema genital/reprodutivo e excretor; além de serem um povo pouco versado em tecnologia, deviado a escassez de material lunar. Com exceção das naves planadoras criadas com o estranho e volátil metal de Diatita, encontrado abaixo do solo lunar. Moravam em galerias subterrâneas e eram as raras exceções de vida extraterrena que não sofria com a atmosfera terrestre, quando visitavam o planeta.
         Escondidos da humanidade por muitas e muitas eras, outras civilizações observaram e esperaram o crescimento da mentalidade humana, até serem descobertos pela população mundial quando o sigilo dos governos mundiais, que estudavam raças alienígenas secretamente, foi quebrado durante o Terceiro Tratado de Versalhes, em 2070.
         Desde então, a tecnologia humana evoluiu graças ao campo quântico, e à "magia" alienígena que envolve a matéria viva e molecular. Mas, o futuro se desenrolou como o homem jamais imaginou; veículos não voaram aos céus, planaram no solo graças à manipulação gravitacional ensinada pelos Annunnaki. Clonagem e manipulação meteorológica tornou-se possível pelos H'as Kraadianos e a viagem espacial definitiva veio por meio dos Krishina, os únicos extraterrestres fielmente interpretados pela humanidade, através da cultura indiana.
         Mas o ser humano sempre será o ser humano. As colônias de outras raças acabavam sendo segregadas ou exploradas. E como irmãos mais velhos, nossos amigos de outras estrelas preferiram colonizar outras partes do sistema solar, quando perceberam que as crianças terráqueas ainda não sabiam brincar. A tecnologia para explorar e viajar pelo vácuo, porém, nos foi muito bem ensinada; visto que já a dominávamos em parte.
         Na Terra de 2182, os humanos eram asiáticos, negros, caucasianos ou híbridos lunares. Visto que outras raças alienígenas não possuíam nosso sistema de reprodução incomum de dois aparelhos genitores distintos, até mesmo a ideia de gravidez enojava certas culturas como os Yrdruianos; Humanoides de corpo fino e esverdeado, com quase três metros de altura, possuíam dois polegares opositores em cada uma das mãos nos quatro braços; e um crânio alongado, sendo ovíparos.
         Em 2168, no auge da Terceira Guerra Fria, entre separatistas lunares e Russos. O projeto Neo-Sputnik lançou o primeiro Neo-Androide terrestre na Lua, feito de carne e osso com DNA de outras raças em uma proveta tecnológica, o casal de meta-humanos, Yuri e Layka, arrasaram a rebelião Lunar. Um ano após a missão, o metabolismo acelerado de ambos deteriorou seus sistemas nervosos e as duas cobaias simplesmente explodiram em pleno campo de teste.
         Nos últimos 14 anos, 126 tentativas de recriar o processo perfeito falharam miseravelmente com os mais diversos métodos de mixagem de espécimes. Em seu tubo de ectoplasma, na TAG-Tech, PS-127 é a mais nova tentativa. E ele acaba de escapar.
- O quê você fez, Katie?! – Perguntou a primeira jovem, uma garota magricela de longos cabelos escuros, que se ajoelhou ao lado do forte rapaz que acabara de se estatelar no chão na frente do Tubo de Ectoplasma, no qual estava enclausurado.
- Eu soltei ele! Anda, Laura! Vamos tirar o pobrezinho daqui! – Respondeu a outra se afastando do console de manutenção do Tubo e se adiantando para levantar o corpo inerte do experimento.
- *Iiirk* é grudento! – Laura reclamou ao apoiar PS- 127 nos ombros e sentir o ectoplasma manchar seu jaleco de estagiária da TAG-Tech.
­         As duas carregaram o desfalcado rapaz pelos corredores apagados da empresa, desviando dos drones de segurança. Bolas voadoras com sensores e Tasers flutuando à 2 metros do chão.
­­- O quê... O que vocês... Estão fazendo? – As voz do experimento saia com dificuldade de sua boca exaurida.
- Cala a boca e anda! – Os cabelos castanhos de Katie desprenderam do coque e agora batiam na cara do rapaz conforme ela movimentava as pernas, carregando-o.
         Um dos Vigias-Drones identificou o trio, e lançando uma ofuscante luz vermelha sobre eles, descarregou eletricidade em alta voltagem. Os cérebros humanos das duas fêmeas mal puderam interpretar o ocorrido. Quando o rapaz saiu do chão, anulando a gravidade em seu corpo e voou em direção ao Drone, recebendo toda a descarga elétrica em proximidade mortal, no peito. Com as mãos vazias, abriu a bola metálica em duas metades; pousando suavemente no chão.
 - Vocês estavam em perigo... – A afirmação dele acompanhou a expressão de assombro no rosto de ambas.
- Só... Vem com a gente, beleza? – Katie replicou pegando PS-127 pelo pulso e estacando violentamente quando ele não se moveu.
         Parado por alguns segundos, pareceu refletir, usando sozinho seu cérebro em toda sua plenitude. Sem drogas, nem sugestivos eletrônicos.
- Vão na frente, eu sigo. – Foi tudo o que ele disse, até atravessarem os portões da TAG-Tech, fugindo pela noite abafada da Califórnia.

sábado, 16 de julho de 2016

2644 - EPISÓDIO II: Um Jogo de Cavalheiros





        Não existe beleza mais mórbida do que a Baixa Londres. O Smog sufocante dividia espaço com as dezenas de galerias de lojas e restaurantes orientais, pelas ruas estreitas ocupadas pelas zonas de descarga de contrabando e lixo das grandes empresas e subsidiarias, cujos prédios ultrapassavam a faixa dos 9 quilômetros de altura. Havia sempre uma tensão estranha no ar do White Joe's Alley, e não eram as imensas colunas de tubos e fiações que viajavam acima das ruas da Baixa Londres.
         Naquela manhã tipicamente inglesa, o gosto da garoa na boca dos forasteiros era metálico, como sempre. A jovem loira e seu acompanhante de Tapa-Olho caminhavam pelo meio da rua fétida, desviando dos carrinhos de lula frita no palito e dos ambulantes que ofereciam implantes genitais. Nas galerias pelas quais passavam, o mais notável; além do fato de certos mercadores de armas não passarem dos 14 anos de idade, era o nível de paranoia de certos transeuntes.
         diversas lojas possuíam antecâmaras blindadas nos fundos, aonde as compras e vendas eram conduzidas no mais alto sigilo, nenhum produto jamais era tabelado, no White Joe's Alley, só se saia vitorioso ou vivo com uma ótima lábia.
 - Fica do lado de fora. Se eu não voltar em vinte minutos, volta pra casa da sua avó, entendeu? – Dizia um rapaz alto e albino, com uma tribal no lado direito do rosto e uma antiga prótese de braço vermelha enferrujada, com apenas dois dedos e um polegar retangular; à uma garota ruiva encardida e com roupas de seda Yrdruriana esfarrapadas que simulavam couro liso.
         De fato, o braço robótico do rapaz albino segurava precariamente uma pequena pistola Sig. 45 que entregou à ela, tremendo não pelo frio, a jovem devia ter entre seus 15 à 16 anos; a barriga protuberante indicava uma gravidez precoce. Ela nada respondeu ao segurar a arma com as mãos em concha, se encolhendo de medo.
- Eu te amo, Bobby! ­– Ela gritou para o rapaz com um acento Irlandês carregado, enquanto ele se adiantava para o interior de uma galeria cuja porta estava cercada de Bósnios mal encarados.
         Grigori observou a cena franzido a testa; O ambiente banal em que se encontravam era o que os Neo Mixistas malucos em Cleveland adoravam chamar de "Sobrevivência do mais forte" enquanto se desmembravam por diversão, e se remontavam com os mais diversos aparatos cibernéticos. 
- Ambiente encantador pra uma cyber-rata como você chafurdar, não? – Ele disparou à sócia, que caminhava um passo a sua frente.
- As vezes é necessário se sujar de terra pra garimpar a esmeralda. – Aleksandra Volkovena lhe respondeu de pronto. Em sua orelha esquerda estava o Potencializador Neural que fazia conexão com seus óculos escuros, por onde a moça podia acessar o cyber espaço usando apenas o córtex e a retina.
- Se você diz... – O franco atirador respondeu, enterrando ainda mais o antigo boné de pano e aba curvada na cabeça, se sentia confortável com vestuário retrô.
         Dobraram a esquina e atravessaram a rua um pouco antes da chuva torrencial começar. Já dentro da galeria chinesa de luzes quentes e cartazes agressivos, com informes explícitos de prostituição e cyber-drogas; a dupla se dirigiu à uma senhora chinesa sentada em um banco de couro vermelho com propulsão baixa, flutuando à meio metro do chão.
Bem vindos, bem vindos... Noite perfeita para o casal... cama com plugs? Os potencializadores de orgasmo acabaram de chegar... – Riu-se a velha em seu acento flutuante, o rosto enrugado e redondo, a boca banguela.
- Que tipo de nuvem a senhora prefere? – Disparou Aleksandra, ignorando a oferta anterior.
- O tipo que traz chuva ao arrozal, e você? – Rebateu a velha, em um tom soturno.
- Do tipo que não esconde o Sol. – Respondeu a loira de pronto.
         O rosto, outrora travesso e rechonchudo se transformou em uma expressão intransponível, a boca banguela virou uma linha reta e os olhinhos desapareceram por entre as grossas sobrancelhas, por fim, a mulher pediu para que a seguissem para dentro de seu estabelecimento. O recinto fedia a mofo e bateria antiga, haviam embaralhadores de sinal, próteses de pernas e diversos utensílios de teor sexual.
- Para os fundos. Negociar...  – A vozinha irritadiça anunciou, sua dona flutuando apressada no banquinho vermelho.
         Quando adentraram o pequeno aposento circular, com uma mesa de centro e um sofá em arco. Perceberam que a idosa não os acompanhou, em vez disso, um homem chinês de meia idade à frente deles fez sinal para se sentarem no estofado.
- Vocês são aqueles a quem devo agradecer por isso? – Perguntou o homem em um sotaque fortíssimo, deslizando pela superfície da mesa seu device atualizador de notícias. A manchete holográfica projetada no ar carregava a manchete: "TERROR NO NEW NAKATOMI - PÂNICO DE ALTA CLASSE!"
- Tanto somos, que lhe trouxemos este humilde presente... conforme o combinado. – Grigori retirou de sua mochila um case retangular do tamanho de uma mão aberta. Uma medida adequada já que preservada dentro dele estava a mão decepada de Albert Naichingeru, em temperatura negativa.
         O chinês suspirou em triunfo, quando Grigori deslizou o case pela superfície da mesa até seu novo proprietário. Ele tomou o invólucro em mãos e o ergueu acima da vista, maravilhado, era a hora do pagamento.
- Conforme o combinado, o sobrenome que nos foi repassado foi deletado do banco de dados da Naichingeru CORP. Agora... O resto do investimento. – Pediu Aleksandra num tom autoritário.
- Pois sim... Eu acho muito justo dar-lhes a soma de 45mil... – Respondeu o homem em tom vagaroso, sem tirar os olhos de seu prêmio.
- Zhè Bùshì hèbìng!  – A loira gritou em chinês: "Esse não foi o combinado!" ao passo que Grigori cruzou os braços, cautelosamente tocando com os dedos o cabo da Tokarev.50 em seu coldre axilar, escondido sob sua jaqueta laranja.
- Você devia ter mais respeito na casa de um... – O homem calou-se quando viu pelo seu device atualizador de notícias que houvera uma invasão em seu sistema bancário, e que 60mil em créditos internacionais lhe foram extraídos.
- Foi um prazer negociar com você. – Anunciou Grigori, ajudando Aleksandra a se levantar, a moça de repente pareceu tonta e desorientada.
         Passaram apressados pela velha no banquinho flutuante, e saíram para a rua. Grigori passou o braço de Aleksandra pelos ombros e a auxiliou na caminhada.
- Preciso treinar mais duro. Esse potencializador quase me tirou do ar... – Ela comentou com a voz grogue.
- E a transferência? Conseguiu? – O atirador a indagou em tom preocupado.
- Consegui, mas quase deixei meu cérebro pra trás. – A hacker o olhou parecendo ofendida, ao ser eu questionada sobre suas capacidades.
         Quando dobraram a esquina no caminho de volta, foram surpreendidos por dois orientais vestindo couraças de proteção urbana, coletes pesados que cobriam os ombros e desciam como saiotes até as cochas. O olho esquerdo de Grigori tremelicou em um espasmo nada natural por baixo de seu Tapa-Olho, e o único ato racional do atirador foi arremessar a parceira que se apoiava nele para o meio fio, em um potente empurrão.
         O primeiro oriental puxou uma faca e estocou para frente, o atirador se esquivou pulando para trás. O segundo tentou investir com uma katana, mas era tarde demais. o corte vertical errou o alvo quando Grigori rolou para trás e agachado sacou a Tokarev .50 que explodiu no ar um balaço, projetando titânio compactado na testa do homem segurando a katana.
         Massa encefálica espirrou para todos os lados e pessoas gritaram vaias, o outro atacante se adiantou com a faca e pulou sobre o rapaz. Abrindo um corte em sua jaqueta e rasgando seu ombro, o atirador cruzou com um soco o rosto do oriental, e os dois se apartaram. Quando se levantou, o asiático recebeu uma lata de alumínio vazia na têmpora, arremessada por Aleksandra; que se recobrara do esforço mental.
         Diante desse vacilo, Grigori recuperou a faca do chão e levou o adversário novamente ao solo se atirando contra a cintura dele e derrubando-o, cabeceou o nariz do homem e cravou a faca em seu pescoço.
- Eu odeio esse lugar... – cuspiu no chão antes de se erguer do cadáver.
- Vamos logo pro Hover... – Sugeriu Aleksandra, ofegando, com as mão no joelho.
­- Boa ideia. – Concordou o atirador, caminhando com a parceira. Vislumbrou a jovem ruiva encardida, chorando sentada na calçada em frente a galeria; da qual o rapaz albino não voltaria.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

2644 - Prelúdio


  O pesadelo começa sempre assim: O som ensurdecedor da explosão. Escuridão. Passos apressados por entre os escombros da galeria. Escuridão. A sensação de ter a cabeça aberta por um serra elétrica e o cérebro arrancado por uma concha de sorvete ao tocar o rosto gelado dela. Escuridão. O ar preso no peito, bloqueado pela torrente de angústia que impede que o cheiro de carne queimada suba pelas vias aéreas. Escuridão.
         O som dos paramédicos e do desfibrilador da unidade androide de primeiros socorros. Escuridão. A voz eletrônica pedindo para que se afastem em um tom monótono e perturbador. Escuridão. Illyana está morta. Escuridão. O monitor cardíaco anuncia uma sobrevida ao cadáver multilado de um anjo...beep...beep...beep...O alívio suprime o terror por alguns instantes, até que traga consigo a noção de que não importa se o coração ou o cérebro não foram desintegrados pelo hidrogênio, Illyana continua morta.
         A menos que se faça algo a respeito...
- War Horse para Foxtrot Sierra... Anda logo, Dreikov! – A voz grave e autoritária do Major chamou Grigori Dreikov de volta ao mundo dos despertos.
- Roger... – O Franco-atirador respondeu pelo Com.Link, afastando as últimas 72 horas de vigilância da vista cansada e dos ombros enrijecidos. Ajustou o tapa olho na vista direita enquanto vislumbrava seu alvo: A cobertura do New Nakatomi Plaza, em Los Angeles. Lar do magnata Albert Naichingeru, quem recebia na noite desta fria sexta-feira, amigos, familiares e rivais para seu quinquagésimo aniversário.
         Deitado no telhado, dormitou por alguns instantes sabendo que o ato teria lhe rendido severíssimas penalidades em seu antigo pelotão Spetsnaz. Mas aquilo foi à uma vida inteira atrás, além do que ele não envergonharia tanto assim a memória de outros atiradores, afinal ele era Tchecoslovaco e não um filho da Mãe Rússia. Seu dedo se movimentou no gatilho da M250, ele podia sentir a tensão no pesado rifle quase que lhe implorando para cuspir no ar um projétil de .408mm da SpaceGate Tech à velocidade Mach 3.
-War Horse, o aniversariante chegou... esperando para cortar o bolo. – Ele declarou para o Com.Link em seu ouvido direito, enquanto se afastava da mira e vasculhava a caixa de munição preparada ao seu lado, encontrou então a peça final para um trabalho bem executado, carregou o equipamento de volta à sua posição enquanto ouvia de seus sócios pela frequência no ouvido.
- Viking Squirrel, Aqui é War Horse. Entrada confirmada? – Novamente o Major chamava a atenção de seus colegas de serviço.
- Claro, claro... Eu tô dentro, Stewart. – Uma voz feminina preencheu a frequência com uma tom cansado, quiçá desinteressado.
- Copiou. Foxtrot Sierra... Assim que o discurso terminar, ele é todo seu! A transferência de dados está praticamente terminada. – Através de seu Com.Link, dentro da sala de servidores do suntuoso New Nakatomi, o homem de quase dois metros de altura limpava o cabo de sua faca Bowie no avental do técnico que vigiava o recinto, agora sangrando compulsivamente no chão, através do corte em sua jugular.
         Ajeitou o terno e se dirigiu para a saída, lacrando a porta com o crachá roubado do defunto, trancando a sala. Dirigiu-se ao átrio do enorme apartamento de Naichingeru, que discursava para seus convidados ao centro do salão, em um palco de marfim chinês estilizado em arquitetura greco-romana. Se aproximou de uma sacada lateral, afasta do centro do salão e apoio-se no parapeito para apreciar a vista da cidade, à 5 quilômetros de altura.
- Dados sintetizados com sucesso. Agora eu só preciso desestruturar o original e deixar o traço falso para os cybercops. ­– Informou a Net Runner pelo comunicador, seus dedos dançando pelos dois teclados que usava em uma velocidade incrível.
- Vamos acabar com isso... – Anunciou o major arremessando da sacada o cartão de segurança do técnico morto. Se dirigiu até o banheiro, um amplo aposento de piso de fibra azul neon, ainda nos fundos do salão. Lá encontrou um carregador de lixo automatizado, flutuando a alguns centímetros do chão, abriu a caçamba do androide de limpeza, e encontrou três enormes sacas de lixo. Vestiu seu conteúdo.
         No terraço gelado de uma empresa de seguros, duas quadras à leste da cobertura do New Nakatomi; Grigori Dreikov observava o salão de Naichingeru de uma posição privilegiada. O terraço mais elevado da seguradora lhe permitia uma visão perfeita da nuca do anfitrião. Desembrulhou então a peça final para a perfeição de seu papel no show desta noite.
- Grigori, o Major está preparado para a Fase 2. – Anunciou a Net Runner.
         O atirador nada respondeu, apenas desembrulhou o pirulito que pegou na mochila de munições. Pôde sentir o gosto do doce arcaico antes mesmo de degusta-lo, saboreando o açúcar no palito, retirou o tapa olho e piscou algumas vezes o olho cibernético. O globo ocular negro faiscou em púrpura até a íris se acender em um círculo vazado, roxo neon.  
         As luzes quentes e aconchegantes da cobertura se apagaram, deixando a cena para os neons escarlates da iluminação de emergência. Do fundo do salão irrompeu em um exoesqueleto de combate, o Major Stewart. Gritos das primeiras damas das altas corporações presentes se confundiam com os estampidos das P90, sacados pelos seguranças de Naichingeru. Porém, os projéteis que atingiam a fuselagem azul marinho do Exoesqueleto IDUA X-64, mal faziam cócegas aos potentes processadores hidráulicos que moviam o traje.
         Um segurança se adiantou pelo flanco esquerdo do colosso biônico, enquanto este caminhava vagarosamente pelo salão, armado apenas com uma Submetralhadora HK. dando pequenas rajadas, afim de evitar baixas civis. O homem ergueu um rifle peculiar, de cano achatado e abertura laminada por uma película fluorescente, antes que pudesse disparar qualquer que fosse o projétil da arma, desmontou no chão, o suntuoso vitral atrás dele estilhaçando ao mesmo tempo; passaram-se longos dez segundos até o resto do corpo de defesa da cobertura entender o que ocorrera.
- Rifle de Pulso Eletromagnético, abatido. – Confirmou Dreikov pelo comunicador, retraindo o ferrolho da M250 e engatilhando o próximo cartucho robusto.
         O major não teve tempo de agradecer, um agente de Naichingeru havia despontado com um lança mísseis soviético M-18 do mezanino à sua esquerda. Apelidado de "Mukha" ou mosca, a munição aprimorada do antigo lança mísseis penetraria a carapaça do X-64.
- Dreik... – Stewart não terminou a frase; O sujeito no mezanino pareceu ter sido atingido por um trem de carga invisível, sendo atirado para trás e acidentalmente pressionando o gatilho da "Mukha". A explosão no espaço confinado foi ensurdecedora e destruiu parte do teto e do mezanino.
- Abatido. – Ouviu Dreikov dizer pelo Com.Link, o major então rumou até o palanque de marfim, onde Albert Naichingeru observava tudo com uma expressão de raiva.
         Por medo de atingirem seu patrão, os seguranças apenas apontaram as armas para a imponente armadura no palco. Os dois se encararam, até que o anfitrião tentou algo imprudente, e com uma adaga de Diatita tentou perfurar o capacete do intruso com um movimento ágil. Porém, o major se adiantou ao ataque.
         Agarrando a mão de Naichingero, torceu-a, tomou-lhe a faca e rapidamente a decepou como se a cartilagem fosse de seda, graças ao raro metal alienígena da lâmina. Com o membro decepado do magnata em mãos, o major Stewart se adiantou para o vitral estilhaçado por um dos projéteis de Dreikov e saltou para sua fuga, por entre os edifícios mais baixos de Los Angeles.
- Prêmio "Em mãos", Aleksandra. –  Disse Dreikov à hacker pelo comunicador.
- Você é um escroto! – Ela respondeu rindo.