Não existe beleza mais mórbida do que a
Baixa Londres. O Smog sufocante
dividia espaço com as dezenas de galerias de lojas e restaurantes orientais,
pelas ruas estreitas ocupadas pelas zonas de descarga de contrabando e lixo das
grandes empresas e subsidiarias, cujos prédios ultrapassavam a faixa dos 9
quilômetros de altura. Havia sempre uma tensão estranha no ar do White Joe's
Alley, e não eram as imensas colunas de tubos e fiações que viajavam acima das
ruas da Baixa Londres.
Naquela
manhã tipicamente inglesa, o gosto da garoa na boca dos forasteiros era metálico,
como sempre. A jovem loira e seu acompanhante de Tapa-Olho caminhavam pelo meio
da rua fétida, desviando dos carrinhos de lula frita no palito e dos ambulantes
que ofereciam implantes genitais. Nas galerias pelas quais passavam, o mais
notável; além do fato de certos mercadores de armas não passarem dos 14 anos de
idade, era o nível de paranoia de certos transeuntes.
diversas
lojas possuíam antecâmaras blindadas nos fundos, aonde as compras e vendas eram
conduzidas no mais alto sigilo, nenhum produto jamais era tabelado, no White
Joe's Alley, só se saia vitorioso ou vivo com uma ótima lábia.
- Fica do lado de fora. Se eu não voltar em
vinte minutos, volta pra casa da sua avó, entendeu? – Dizia um rapaz alto e albino, com uma tribal no lado
direito do rosto e uma antiga prótese de braço vermelha enferrujada, com apenas
dois dedos e um polegar retangular; à uma garota ruiva encardida e com roupas
de seda Yrdruriana esfarrapadas que simulavam couro liso.
De fato, o braço robótico do rapaz albino segurava
precariamente uma pequena pistola Sig. 45 que entregou à ela, tremendo não pelo
frio, a jovem devia ter entre seus 15 à 16 anos; a barriga protuberante indicava uma gravidez precoce. Ela nada respondeu ao segurar a
arma com as mãos em concha, se encolhendo de medo.
- Eu
te amo, Bobby! – Ela gritou para o rapaz com um acento Irlandês carregado,
enquanto ele se adiantava para o interior de uma galeria cuja porta estava
cercada de Bósnios mal encarados.
Grigori observou a cena franzido a testa; O ambiente banal em
que se encontravam era o que os Neo Mixistas malucos em Cleveland adoravam
chamar de "Sobrevivência do mais forte" enquanto se desmembravam por diversão, e
se remontavam com os mais diversos aparatos cibernéticos.
- Ambiente encantador pra uma cyber-rata como você chafurdar, não? –
Ele disparou à sócia, que caminhava um passo a sua frente.
- As
vezes é necessário se sujar de terra pra garimpar a esmeralda. –
Aleksandra Volkovena lhe respondeu de pronto. Em sua orelha esquerda estava o Potencializador
Neural que fazia conexão com seus óculos escuros, por onde a moça podia acessar
o cyber espaço usando apenas o córtex e a retina.
- Se
você diz... – O franco atirador respondeu, enterrando ainda mais o antigo
boné de pano e aba curvada na cabeça, se sentia confortável com vestuário retrô.
Dobraram a esquina e atravessaram a rua um pouco antes da
chuva torrencial começar. Já dentro da galeria chinesa de luzes quentes e
cartazes agressivos, com informes explícitos de prostituição e cyber-drogas; a
dupla se dirigiu à uma senhora chinesa sentada em um banco de couro vermelho
com propulsão baixa, flutuando à meio metro do chão.
– Bem vindos, bem vindos... Noite perfeita para o casal... cama com
plugs? Os potencializadores de orgasmo acabaram de chegar... – Riu-se a
velha em seu acento flutuante, o rosto enrugado e redondo, a boca banguela.
-
Que tipo de nuvem a senhora prefere? – Disparou Aleksandra,
ignorando a oferta anterior.
- O
tipo que traz chuva ao arrozal, e você? – Rebateu a velha, em um
tom soturno.
- Do
tipo que não esconde o Sol. – Respondeu a loira de
pronto.
O rosto, outrora travesso e rechonchudo se transformou em
uma expressão intransponível, a boca banguela virou uma linha reta e os
olhinhos desapareceram por entre as grossas sobrancelhas, por fim, a mulher
pediu para que a seguissem para dentro de seu estabelecimento. O recinto fedia
a mofo e bateria antiga, haviam embaralhadores de sinal, próteses de pernas e
diversos utensílios de teor sexual.
-
Para os fundos. Negociar... –
A vozinha irritadiça anunciou, sua dona flutuando apressada no banquinho vermelho.
Quando adentraram o pequeno aposento circular, com uma mesa
de centro e um sofá em arco. Perceberam que a idosa não os
acompanhou, em vez disso, um homem chinês de meia idade à frente deles fez
sinal para se sentarem no estofado.
- Vocês são aqueles a quem devo agradecer por isso? – Perguntou o
homem em um sotaque fortíssimo, deslizando pela superfície da mesa seu device atualizador de notícias. A
manchete holográfica projetada no ar carregava a manchete: "TERROR NO NEW
NAKATOMI - PÂNICO DE ALTA CLASSE!"
-
Tanto somos, que lhe trouxemos este humilde presente... conforme o combinado. –
Grigori retirou de sua mochila um case
retangular do tamanho de uma mão aberta. Uma medida adequada já que preservada
dentro dele estava a mão decepada de Albert Naichingeru, em temperatura
negativa.
O chinês suspirou em triunfo,
quando Grigori deslizou o case pela
superfície da mesa até seu novo proprietário. Ele tomou o invólucro em mãos e o
ergueu acima da vista, maravilhado, era a hora do pagamento.
- Conforme
o combinado, o sobrenome que nos foi repassado foi deletado do banco de dados
da Naichingeru CORP. Agora... O resto do investimento. –
Pediu Aleksandra num tom autoritário.
-
Pois sim... Eu acho muito justo dar-lhes a soma de 45mil... –
Respondeu o homem em tom vagaroso, sem tirar os olhos de seu prêmio.
- Zhè Bùshì hèbìng! – A loira gritou em chinês: "Esse não foi o combinado!" ao passo que Grigori cruzou os braços, cautelosamente tocando com os dedos o cabo da Tokarev.50 em seu coldre axilar, escondido sob sua jaqueta laranja.
-
Você devia ter mais respeito na casa de um... – O
homem calou-se quando viu pelo seu device
atualizador de notícias que houvera uma invasão em seu sistema bancário, e
que 60mil em créditos internacionais lhe foram extraídos.
-
Foi um prazer negociar com você. – Anunciou Grigori,
ajudando Aleksandra a se levantar, a moça de repente pareceu tonta e
desorientada.
Passaram apressados pela velha no banquinho flutuante, e
saíram para a rua. Grigori passou o braço de Aleksandra pelos ombros e a
auxiliou na caminhada.
-
Preciso treinar mais duro. Esse potencializador quase me tirou do ar... –
Ela comentou com a voz grogue.
- E
a transferência? Conseguiu? – O atirador a indagou em
tom preocupado.
- Consegui,
mas quase deixei meu cérebro pra trás. – A
hacker o olhou parecendo ofendida, ao ser eu questionada sobre suas capacidades.
Quando dobraram a esquina no caminho de volta, foram
surpreendidos por dois orientais vestindo couraças de proteção urbana, coletes
pesados que cobriam os ombros e desciam como saiotes até as cochas. O olho
esquerdo de Grigori tremelicou em um espasmo nada natural por baixo de seu Tapa-Olho, e o único ato racional do atirador foi arremessar a parceira que se
apoiava nele para o meio fio, em um potente empurrão.
O primeiro oriental puxou uma faca e estocou para frente, o
atirador se esquivou pulando para trás. O segundo tentou investir com uma
katana, mas era tarde demais. o corte vertical errou o alvo quando Grigori rolou
para trás e agachado sacou a Tokarev .50
que explodiu no ar um balaço, projetando titânio compactado na testa do homem
segurando a katana.
Massa encefálica espirrou para todos os lados e pessoas
gritaram vaias, o outro atacante se adiantou com a faca e pulou sobre o rapaz. Abrindo
um corte em sua jaqueta e rasgando seu ombro, o atirador cruzou com um soco o
rosto do oriental, e os dois se apartaram. Quando se levantou, o asiático
recebeu uma lata de alumínio vazia na têmpora, arremessada por Aleksandra; que
se recobrara do esforço mental.
Diante desse vacilo, Grigori recuperou a faca do chão e
levou o adversário novamente ao solo se atirando contra a cintura dele e
derrubando-o, cabeceou o nariz do homem e cravou a faca em seu pescoço.
- Eu
odeio esse lugar... – cuspiu no chão antes de se erguer do cadáver.
-
Vamos logo pro Hover... – Sugeriu
Aleksandra, ofegando, com as mão no joelho.
- Boa ideia. – Concordou o atirador, caminhando com a parceira.
Vislumbrou a jovem ruiva encardida, chorando sentada na calçada em frente a
galeria; da qual o rapaz albino não voltaria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário