sábado, 16 de julho de 2016

2644 - EPISÓDIO II: Um Jogo de Cavalheiros





        Não existe beleza mais mórbida do que a Baixa Londres. O Smog sufocante dividia espaço com as dezenas de galerias de lojas e restaurantes orientais, pelas ruas estreitas ocupadas pelas zonas de descarga de contrabando e lixo das grandes empresas e subsidiarias, cujos prédios ultrapassavam a faixa dos 9 quilômetros de altura. Havia sempre uma tensão estranha no ar do White Joe's Alley, e não eram as imensas colunas de tubos e fiações que viajavam acima das ruas da Baixa Londres.
         Naquela manhã tipicamente inglesa, o gosto da garoa na boca dos forasteiros era metálico, como sempre. A jovem loira e seu acompanhante de Tapa-Olho caminhavam pelo meio da rua fétida, desviando dos carrinhos de lula frita no palito e dos ambulantes que ofereciam implantes genitais. Nas galerias pelas quais passavam, o mais notável; além do fato de certos mercadores de armas não passarem dos 14 anos de idade, era o nível de paranoia de certos transeuntes.
         diversas lojas possuíam antecâmaras blindadas nos fundos, aonde as compras e vendas eram conduzidas no mais alto sigilo, nenhum produto jamais era tabelado, no White Joe's Alley, só se saia vitorioso ou vivo com uma ótima lábia.
 - Fica do lado de fora. Se eu não voltar em vinte minutos, volta pra casa da sua avó, entendeu? – Dizia um rapaz alto e albino, com uma tribal no lado direito do rosto e uma antiga prótese de braço vermelha enferrujada, com apenas dois dedos e um polegar retangular; à uma garota ruiva encardida e com roupas de seda Yrdruriana esfarrapadas que simulavam couro liso.
         De fato, o braço robótico do rapaz albino segurava precariamente uma pequena pistola Sig. 45 que entregou à ela, tremendo não pelo frio, a jovem devia ter entre seus 15 à 16 anos; a barriga protuberante indicava uma gravidez precoce. Ela nada respondeu ao segurar a arma com as mãos em concha, se encolhendo de medo.
- Eu te amo, Bobby! ­– Ela gritou para o rapaz com um acento Irlandês carregado, enquanto ele se adiantava para o interior de uma galeria cuja porta estava cercada de Bósnios mal encarados.
         Grigori observou a cena franzido a testa; O ambiente banal em que se encontravam era o que os Neo Mixistas malucos em Cleveland adoravam chamar de "Sobrevivência do mais forte" enquanto se desmembravam por diversão, e se remontavam com os mais diversos aparatos cibernéticos. 
- Ambiente encantador pra uma cyber-rata como você chafurdar, não? – Ele disparou à sócia, que caminhava um passo a sua frente.
- As vezes é necessário se sujar de terra pra garimpar a esmeralda. – Aleksandra Volkovena lhe respondeu de pronto. Em sua orelha esquerda estava o Potencializador Neural que fazia conexão com seus óculos escuros, por onde a moça podia acessar o cyber espaço usando apenas o córtex e a retina.
- Se você diz... – O franco atirador respondeu, enterrando ainda mais o antigo boné de pano e aba curvada na cabeça, se sentia confortável com vestuário retrô.
         Dobraram a esquina e atravessaram a rua um pouco antes da chuva torrencial começar. Já dentro da galeria chinesa de luzes quentes e cartazes agressivos, com informes explícitos de prostituição e cyber-drogas; a dupla se dirigiu à uma senhora chinesa sentada em um banco de couro vermelho com propulsão baixa, flutuando à meio metro do chão.
Bem vindos, bem vindos... Noite perfeita para o casal... cama com plugs? Os potencializadores de orgasmo acabaram de chegar... – Riu-se a velha em seu acento flutuante, o rosto enrugado e redondo, a boca banguela.
- Que tipo de nuvem a senhora prefere? – Disparou Aleksandra, ignorando a oferta anterior.
- O tipo que traz chuva ao arrozal, e você? – Rebateu a velha, em um tom soturno.
- Do tipo que não esconde o Sol. – Respondeu a loira de pronto.
         O rosto, outrora travesso e rechonchudo se transformou em uma expressão intransponível, a boca banguela virou uma linha reta e os olhinhos desapareceram por entre as grossas sobrancelhas, por fim, a mulher pediu para que a seguissem para dentro de seu estabelecimento. O recinto fedia a mofo e bateria antiga, haviam embaralhadores de sinal, próteses de pernas e diversos utensílios de teor sexual.
- Para os fundos. Negociar...  – A vozinha irritadiça anunciou, sua dona flutuando apressada no banquinho vermelho.
         Quando adentraram o pequeno aposento circular, com uma mesa de centro e um sofá em arco. Perceberam que a idosa não os acompanhou, em vez disso, um homem chinês de meia idade à frente deles fez sinal para se sentarem no estofado.
- Vocês são aqueles a quem devo agradecer por isso? – Perguntou o homem em um sotaque fortíssimo, deslizando pela superfície da mesa seu device atualizador de notícias. A manchete holográfica projetada no ar carregava a manchete: "TERROR NO NEW NAKATOMI - PÂNICO DE ALTA CLASSE!"
- Tanto somos, que lhe trouxemos este humilde presente... conforme o combinado. – Grigori retirou de sua mochila um case retangular do tamanho de uma mão aberta. Uma medida adequada já que preservada dentro dele estava a mão decepada de Albert Naichingeru, em temperatura negativa.
         O chinês suspirou em triunfo, quando Grigori deslizou o case pela superfície da mesa até seu novo proprietário. Ele tomou o invólucro em mãos e o ergueu acima da vista, maravilhado, era a hora do pagamento.
- Conforme o combinado, o sobrenome que nos foi repassado foi deletado do banco de dados da Naichingeru CORP. Agora... O resto do investimento. – Pediu Aleksandra num tom autoritário.
- Pois sim... Eu acho muito justo dar-lhes a soma de 45mil... – Respondeu o homem em tom vagaroso, sem tirar os olhos de seu prêmio.
- Zhè Bùshì hèbìng!  – A loira gritou em chinês: "Esse não foi o combinado!" ao passo que Grigori cruzou os braços, cautelosamente tocando com os dedos o cabo da Tokarev.50 em seu coldre axilar, escondido sob sua jaqueta laranja.
- Você devia ter mais respeito na casa de um... – O homem calou-se quando viu pelo seu device atualizador de notícias que houvera uma invasão em seu sistema bancário, e que 60mil em créditos internacionais lhe foram extraídos.
- Foi um prazer negociar com você. – Anunciou Grigori, ajudando Aleksandra a se levantar, a moça de repente pareceu tonta e desorientada.
         Passaram apressados pela velha no banquinho flutuante, e saíram para a rua. Grigori passou o braço de Aleksandra pelos ombros e a auxiliou na caminhada.
- Preciso treinar mais duro. Esse potencializador quase me tirou do ar... – Ela comentou com a voz grogue.
- E a transferência? Conseguiu? – O atirador a indagou em tom preocupado.
- Consegui, mas quase deixei meu cérebro pra trás. – A hacker o olhou parecendo ofendida, ao ser eu questionada sobre suas capacidades.
         Quando dobraram a esquina no caminho de volta, foram surpreendidos por dois orientais vestindo couraças de proteção urbana, coletes pesados que cobriam os ombros e desciam como saiotes até as cochas. O olho esquerdo de Grigori tremelicou em um espasmo nada natural por baixo de seu Tapa-Olho, e o único ato racional do atirador foi arremessar a parceira que se apoiava nele para o meio fio, em um potente empurrão.
         O primeiro oriental puxou uma faca e estocou para frente, o atirador se esquivou pulando para trás. O segundo tentou investir com uma katana, mas era tarde demais. o corte vertical errou o alvo quando Grigori rolou para trás e agachado sacou a Tokarev .50 que explodiu no ar um balaço, projetando titânio compactado na testa do homem segurando a katana.
         Massa encefálica espirrou para todos os lados e pessoas gritaram vaias, o outro atacante se adiantou com a faca e pulou sobre o rapaz. Abrindo um corte em sua jaqueta e rasgando seu ombro, o atirador cruzou com um soco o rosto do oriental, e os dois se apartaram. Quando se levantou, o asiático recebeu uma lata de alumínio vazia na têmpora, arremessada por Aleksandra; que se recobrara do esforço mental.
         Diante desse vacilo, Grigori recuperou a faca do chão e levou o adversário novamente ao solo se atirando contra a cintura dele e derrubando-o, cabeceou o nariz do homem e cravou a faca em seu pescoço.
- Eu odeio esse lugar... – cuspiu no chão antes de se erguer do cadáver.
- Vamos logo pro Hover... – Sugeriu Aleksandra, ofegando, com as mão no joelho.
­- Boa ideia. – Concordou o atirador, caminhando com a parceira. Vislumbrou a jovem ruiva encardida, chorando sentada na calçada em frente a galeria; da qual o rapaz albino não voltaria.

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