quarta-feira, 3 de agosto de 2016

2644 - EPISÓDIO V: Déjà vu

        Los Angeles de 2189 não dorme. Na sacada de seu pequeno apartamento, Grigori Dreikov limpa sua pistola Sig. Compacta .50; uma arma antiga, porém elegante. Não muito diferente de tantas e tantas outras armas terráqueas. O homem aprendeu muito com as raças extraterrestres, porém existem vícios que não podem ser superados, apenas aperfeiçoados.
         E assim, os projéteis terráqueos de polímero foram substituídos por outros metais mais potentes e alienígenas, como a Diatita Lunar e o Kranü Centauriano. A industria armamentista virou de ponta cabeça e velhos esboços foram reaproveitados em novos conceitos. A necessidade do homem de carregar metal com gatilho e culatra não cessaria por nada. Nem quando descobriram que o conceito de arma de fogo não existia para diversas culturas alienígenas.
         Muitas raças absorveram uma modalidade fantástica e barata. A concentração de magnetismo polarizado com plasma à temperaturas incalculáveis, no que o ser humano primitivo chamaria de "arma de raio laser". Porém o conceito era aplicado à cajados, maças; machados ou martelos. Aos olhos humanos, a contradição e a dificuldade de alcançar o conceito mantinha projetos de armas do tipo à nível militar ultrassecreto.
         Para Grigori, isso era ótimo. Jamais gostou de confiar em projéteis mágicos de gracejos alienígenas. O quadro holográfico do apartamento flutuou até a sacada onde estava sentado, para lhe informar que a digital de um visitante foi reconhecida no portão da frente do prédio. Uma conhecida que não via há meses. Ele se levantou do banco alto da sacada e foi até a porta, pressionando a mão contra um círculo vermelho na altura de onde estaria uma fechadura.
         Com seu toque, o círculo tornou-se verde e a porta deslizou para o lado, para dentro da estrutura da parede; para revelar de seu outro lado...
- Gaya... Descobriu que eu tava vivo, foi? – Ele se afastou da porta com um sorrisinho e virou as costas para ela, de volta à direção da sacada nos fundos da sala de estar, aonde estava sentado.
- Eu tô com um problema. Pode ser grande. – Os olhos púrpura se destacavam como os de um felino, na penumbra do apartamento.
- Ah, é? – Ele desdenhou.
- É. – Ela retrucou.
­- Que foi? Não tá achando seus "cyber-bagulhos"? Aqui não tá. – Ele a provocou, sentando no sofá e apoiando os pés na mesinha de centro da sala de estar.
- Vai se foder! Eu só tô aqui porque é um trampo discreto e... e é de família, meio que... – Ela meneou a cabeça e sentou no sofá.
         Há 2 quilômetros do chão, o apartamento era considerado ainda baixo para os padrões de vida aceitáveis. Haviam vias magnéticas para os carros vários metros acima e ainda muitas a baixo do andar daquela habitação. Os sons dos motores e dos gritos nas galerias e comércio daquele nível da cidade penetravam os aposentos do apartamento. Bem como os diversos letreiros e neons dos flutuantes coletivos, a evolução do transporte público. Vagões únicos com propulsão antigravidade que viajavam nos intervalos de pistas magnéticas, matando o trânsito.
- Pra um cara bem de grana, tá foda aqui. – Galyantra comentou, se afundando no encosto do sofá.
- Você sabe pra onde a grana vai, não finge que não sabe. – Ele comentou, tirando o tapa-olho e permitindo que um flash de luz arroxeada, vinda de seu olho esquerdo, inunda-se momentaneamente a sala de estar. Quando tudo voltou a penumbra, a órbita negra e o círculo roxo que era a íris biônica, focalizaram a jovem mulher.
         A visão do olho aprimorado involuntariamente ofuscava o entendimento do olho direito, humano. Em uma espécie útil de estrabismo; manter o implante sob o tapa-olho era a maneira que Grigori encontrou de "enxergar menos". Podia ver as sinuosas camadas de calor se moverem pelo corpo da moça, bem como os poros de sua pele ao mero comando de suas sinapses. Distinguiu a trilha esfumaçada de perfume dela no ar, que a  seguiu da porta ao sofá. Observou a pistola Walter presa a cocha dela, por debaixo da calça baggy de camurça.
- Eu devo isso à ela. Eu sei que a reação dela não vai ser diferente do resto da família. Mas, eu devo isso à ela. – Grigori comentou, fitando a cidade para além da varanda.
- Você se culpa demais. Tá, escuta... Se me ajudar, eu descolo uma contribuição pros fundos da Illyana. – Gaya se aproximou dele no sofá, transparecendo sinceridade.
- Eu enxergo a movimentação no seu pericárdio, enxergo todo o resto também. Você não tem nem certeza se me contar que tem um problema é a coisa certa, por que tá mentindo pra mim? – Ele fixou fundo os olhos púrpura dela, concentrando-se para reter sua visão em ambos os nervos ópticos e normaliza-la.
         Sabendo que se entregou, se convencendo de que ter abordado o jovem homem daquela maneira era errada; Ela então expôs da melhor forma possível, sua linha de pensamento.
- ­Lembra da filha do Joseph? – Ela perguntou?
- Joseph... Joe Allen? O que aconteceu com ele e a esposa foi uma tragédia. – Ele respondeu.
- Pois é, nem todo mundo morre de um jeito bacana... – Ela tentou prosseguir.
- O quê? fatiados em moléculas em um dispersor sônico? – Ele a interrompeu, Gaya piscou os belos olhos felinos, revirando-os. Grigori sorriu, ao perceber que a deixava irritadiça.
­- A filha do Joe manteve contato comigo nesses últimos anos, tava morando com o tio até ser contratada como estagiária pela TAG Tech. – Foi a vez dela notar que o deixara encabulado, e sorrir quando ele se remexeu no sofá incomodado.
- Não tinha lugar pior, não? – Ele comentou secamente, aproveitando isso a moça explorou a ferida que compartilhava.
­- Ela teve acesso ao mais novo Mímico deles. – Ela informou sem muita euforia.
­- Filho da puta! E todo mundo crente que essa história de humanoide híbrido tinha passado. – Ele aparou a cabeça entre as mãos, apoiando os cotovelos no joelho. Galyantra bocejou, e depois de alguns instantes no silêncio do breu total, amenizado pelas luzes da cidade varando a sacada; ela se pôs a falar.
- Ela disse que ele é um cara legal... – Gaya é interrompida por um grunhido de descrença de Grigori – ... Que não tem noção de quem é ou o que faz.
- E você vai entrar nessa? – ele perguntou avaliando-a.
- Porra, Greggie... É a filha do Joseph. Se aquele cara não tivesse aparecido provavelmente seríamos eu e você naquele dispersor sônico! – Gaya se sobressaltou, erguendo-se do sofá em um salto e postando-se à frente dele.
         Grigori virou a cabeça e fitou novamente a cidade além da varanda, haviam pessoas naquela vida com quem ele se identificava e devia para. Colegas como o Major Stewart, Aleksandra e Gaya. Outrora Joseph Allen e sua esposa Maddie faziam parte desse grupo, o ajudaram a encontrar direção quando lhe faltava, assim como Galyantra o fez. Talvez ela tivesse razão, talvez devesse isso à Laura Allen.
- Vou ligar pro Stewart, e amanhã de manhã te encontro lá... Se quiser tem colchão sobrando aqui. – Ele acrescentou levantando-se do sofá. Ela dirigia-se à porta da frente.
­- Não dessa vez. – Ela sorriu, seus olhos hipnotizantes desaparecendo ao fechar da porta deslizante do apartamento. 

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