quarta-feira, 3 de agosto de 2016

2644 - EPISÓDIO IV: B.A.B.E.L.


         Com o alvorecer da Segunda Renascença Humana, na virada do século XXI. O auxílio tecnológico provido pelas raças alienígenas que faziam da Terra um posto de troca até Alfa Centauri, permitiram o aprimoramento das interfaces de comunicação para um sistema de conexão neural. No qual a tradução dos dados era feita de forma didática e "física"; tornou-se possível tocar com as próprias mãos toneladas de gigabytes em arquivos, através de representações gráficas muito precisas.
         Ao final da fase inicial do projeto. Uma empresa sueca patenteou os direitos sobre a tecnologia ensinada pelos Annunnaki, conhecida por ser uma das raças mais severas e inteligentes no sistema solar, bem como verdadeiros nômades siderais. Com a dita patente em mãos, a Lumerian Enterprises despontou no mercado mundial com a B.A.B.E.L.
         Tornando o sistema holográfico de interfaces de comunicação, algo secundário e as arcaicas Touch Screens, obsoletas. O projeto B.A.B.E.L transferia o bruto das sinapses e da atividade mental, bem como escaneava a massa cinzenta do usuário para renderizar sua consciência no cyber-espaço. Tal tecnologia, obviamente, teve sua inauguração na área militar e lá foi mantida em segredo até a chegada da década de 2160. Uma vez que os servidores e aprimoramentos do maquinário de transferência do modelo MK.1 já eram extremamente obsoletos.
         Para acessar tais servidores; para adentrar à Biometric Artifitial Brain for Enhanced Logic; ou simplesmente B.A.B.E.L. Era necessário um Deck de Absorção. Que era constituído pelo emulador de consciência, os diversos eletrodos que saiam de seu console, e duas agulhas principais a serem introduzidas na medula e na base do trapézio.
         Era com duas dessas agulhas para inserção virtual que Katie auxiliava Laura a se plugar na rede biométrica singular de informação. Deitada em uma cadeira reclinável, uma verdadeira peça de antiquários; um acento que remontava aos antigos consultórios de dentistas do século XXI.
- Cuidado com essa merda. Pelo amor... *urhg* – Laura alertava a amiga, que sem cerimônia perfurou dolorosamente sua cervical com o agulhão do Deck de Absorção, por um buraco na parte de trás da cadeira.
         Observando, sentado em um  banquinho no canto do quarto, apinhado de pôsteres de bandas Techno e cases e mais cases de livros digitais de faculdade; estava a cobaia PS-127. Levantando-se, caminhou até o acento em que Laura se deitara, e gentilmente pediu a segunda agulha à ser inserida no trapézio da moça.
- Eu gostaria de tentar, li vários dos seus livros de Engenharia Neurossintética. – Ele informou, pedindo a agulha que Katie segurava com a mão estendida.
         A réplica de Katie foi entregar a ele a agulha de conexão, após alguns segundos ponderando se realmente um cérebro artificial conseguia consumir tanta informação num espaço tão mínimo de tempo. Pelo jeito, conseguia. A precisão com a qual a agulha foi inserida no trapézio de Laura foi tamanha, que imediatamente o estado característico de catatonia, gerado pela máquina, a atingiu.
        Inicialmente, a onda eletrostática inundou a medula de Laura. A descarga acelerou sua atividade cerebral ao máximo, era possível perceber pelo arregalar de seus olhos, e a respiração rápida e descontrolada. Até que os níveis de consciência, sinalizados no servidor holográfico ao lado do console da máquina, despencaram abruptamente. Os olhos da garota então se reviraram nas órbitas, enquanto suas pálpebras se fechavam, e ela não mais estava em um quarto, numa quitinete em São Francisco.
         A consciência dela vagou delirante pelo ciberespaço por alguns segundos, até que a necessidade humana de noção corpórea a atingiu. E lá estava Laura, inteiramente projetada em meio à infinitas linhas de código holográficos.
- Eu avisei para não me procurar, Laura. Agora sai da minha matriz de operação antes que apareçam clientes. – Uma voz feminina se projetou no ciberespaço, no que a consciência emulada entendia como som; na verdade eram linhas de código sendo interpretadas no córtex e reenviadas para o usuário.
- Mas eu vou ser a sua cliente hoje, Gaya. – A garota respondeu à "voz" depois de alguns segundos hesitando.
         A "voz" deixou escapar uma risada, ao passo que pixels incandescentes formavam o corpo de outra jovem mulher com um certo flickering. A miragem da nova ocupante da sala tremeluzia a medida que ela caminhava até a visitante.
- Prometi para o seu tio que não meteria você nos negócios, e isso inclui a minha área. – Galyantra Al'Feyt caminhou até Laura graciosamente; seus olhos, sutilmente maiores, cintilavam o púrpura hipnotizante de sua íris. Projetava-se ali tal qual era sua forma no mundo real, seu corpo parou de tremeluzir e adotou o tom de pele ligeiramente avermelhado, oriundo da Lua. A emulação era perfeita, tamanho era seu controle mental na B.A.B.E.L.
- Por favor, a gente... Eu, só preciso de alguns documentos falsos. – Laura ensaiou, seu corpo virtual falhava conforme sua euforia interferia em seu controle mental no ciberespaço.
- O quê que você fez, hein? Da última vez que ouvi de você foi quando entrou pra'quela empresa geneticista nojenta. – Galyantra rodeava o avatar de Laura sem tirar os diamantes púrpuras que eram seus olhos, da forma digital da amiga mais nova; a encarava em um tom de avaliação, franzindo a testa.
         Mesmo na B.A.B.E.L, Laura pôde sentir o magnetismo do olhar da moça, analisando-a. A mente disparou em soluções e seu corpo virtual dispersou em um flickering absurdo. Quando voltou a normalidade de uma estrutura corpórea normal, ela inqueriu.
- Já ouviu falar de um Mímico? – A menina encarou os olhos púrpuras, que já extraordinariamente projetados, se arregalaram mais ainda.
- O quê você fez, Laura? Me diz que você mexeu num vespeiro e não nos arquivos da TAG! – Espantada, Galyantra se aproximou abrupta e intimidadoramente da garota, encostando em seu avatar. No mundo real, o corpo de Laura se contorceu em um espasmo violento, assustando a amiga e o rapaz que a aguardavam.
- Foi muito rápido! Mas, ele tá com a gente agora... Ele é uma boa pessoa, ou coisa... ou seja lá o que ele é! Mas, ele não tem culpa! Ele não entende! Por favor, Gaya! São só alguns documentos de identidade, o nome dele é... – Laura proferia freneticamente, a medida que as linhas de código ao seu redor se quebravam e ruíam, o chão descascava em enormes equações flutuantes, cintilando em verde. Um enorme abismo se abriu entre as linhas de código, a meros centímetros dos calcanhares dela.
- Presta atenção, garota! Fica aonde você tá e não abre a porta pra ninguém. Eu tô indo pra aí! – Gaya disparou, antes de empurrar a jovem para o abismo do ciberespaço.
- O nome dele é... PS127...Cento e vinte... sete...sete...sete...sete... – Enquanto despencava de volta ao mundo sólido da realidade, a consciência dela travara nas últimas "palavras" que proferiu para os olhos alienígenas de Galyantra.
         Na cadeira, conectada ao deck de inserção, Laura convulsionou. As veias em seu pescoço saltavam brutalmente enquanto seus olhos reviravam nas órbitas. Relaxar é um pré-requisito importante para entrada e reentrada em ambos os mundos, coisa que a jovem não conseguira fazer.
- Merda! rápido, pega uma cápsula de Teto-Preto! vai estabilizar o fluxo de adrenalina, vou pegar um palito... – Katie apontava para um pequeno case com dúzias de pílulas transparentes, que continham um gaseificado laranja fluorescente.
 - Sem tempo. – O jovem respondeu, abrindo a boca de Laura com o máximo de gentileza possível. Ela mordeu violentamente os dedos dele, que tentava colocar a cápsula de baixo de sua língua. Porém, ele não esboçou qualquer reação à violenta mordida.
         Após momentos de excruciante apreensão. As convulsões se reduziram a espasmos e o leitor holográfico que flutuava pelo quarto em um retângulo azul-elétrico, indicou a normalização das atividades cerebrais e fisiológicas de Laura. Ao passo que ambos se inclinaram para ver os olhos da garota se abrirem, puderam ouvir suas primeiras e embaraçadas palavras.
- Seth... 'Bri... Brigada... Obrigada... – Balbuciou Laura, e se jogou da cadeira, abraçando o rapaz.
- Soa bem. Seth... gostei. – Katie se largou no colchão de gel, com um sorriso travesso.

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