Capítulo 2 - Um Mundo Complicado
A luz do amanhecer iluminou os
jardins suspensos nas coberturas dos arranha-céus do Tutelado de Strauss. A
grande capital do continente de Nova Éden, um símbolo de modernidade, o ícone
do potencial humano, As belas florestas verdes que envolviam Nova Éden e suas
diversas cidades cessavam no Tutelado, substituídas por edifícios de mármore
branco de quilômetros de altura, conectados por passarelas e monotrilhos, luzes
de holografias por toda a parte.
Abaixo das torres mais altas,
seguiam rentes coberturas de outros edifícios, que serviam de avenidas, ruas e
passarelas para transeuntes e suas Hoverpods;
Motocicletas magnetizadas com um metal incomum que fluía por baixo do piso
das vias públicas. Os níveis mais baixos da grande metrópole branca não eram
desprezíveis por estarem mais abaixo na geografia, eram o ponto de encontro dos
jovens e boêmios em uma madruga eterna. Sempre na penumbra que as diversas
linhas de monotrilhos produziam ao subirem e descerem pavimentos e níveis de
sociedade. Os Neons dos letreiros e hologramas físicos convidavam os passantes
à margem da legalidade no continente edenista.
Nova Éden, a grande matriz da
sociedade ocidental. Líder econômica e com monopólio das correntes marítimas de
Durkenheimmer, os edenistas faziam a proteção e segurança do livre comércio
entre ST. Remmy, Colline Lumière e Jericoh. O órgão de manutenção dessa grande
irmandade era a C.R.U.O; Comunhão das Repúblicas Unidas do Ocidente.
Constantemente em atrito com o Conselho de Droukümurr; liderado pelo parlamento
do Grande Abrigo e algumas repúblicas orientais, com exceção da família Al
Fayet e seu Protetorado, que visavam apenas o comércio e enriquecimento de suas
próprias terras.
A arma secreta da C.R.U.O era a
Federação das correntes do Oeste. Uma escola marítima fortíssima,
revolucionando mais de uma vez as técnicas de navegação e combate náutico e
terrestre. Recrutando novos membros em todos os polos econômicos e sociais da
Comunhão.
Foi o que aconteceu com Elizabeth Jones, filha do embaixador de Nova Éden em Nova Ambrósia, a garota sempre teve vaga garantida na academia da federação. Infelizmente nem tudo foi planejado na vida de Liz, como o menino da vizinhança passou a apelida-la; Descontentes com a recusa na diminuição de taxas portuárias, estivadores grevistas armaram um atentado contra o embaixador edenista. A bomba no veleiro Mk-74 da marinha de Nova Éden deixou sete feridos, e uma garota órfã de mãe e sem o braço esquerdo.
Foi o que aconteceu com Elizabeth Jones, filha do embaixador de Nova Éden em Nova Ambrósia, a garota sempre teve vaga garantida na academia da federação. Infelizmente nem tudo foi planejado na vida de Liz, como o menino da vizinhança passou a apelida-la; Descontentes com a recusa na diminuição de taxas portuárias, estivadores grevistas armaram um atentado contra o embaixador edenista. A bomba no veleiro Mk-74 da marinha de Nova Éden deixou sete feridos, e uma garota órfã de mãe e sem o braço esquerdo.
Vários anos e algumas cirurgias
depois, a jovem partiu para O Tutelado de Strauss. Determinada a subir de
posições na confederação e ajudar na diplomacia do ocidente, para que
injustiças que lhe custaram a mãe não tornassem a acontecer próximo a
inocentes. Porém sua primeira semana como porta-voz do conselheiro camponês,
denominados assim aqueles que vêm de Jericoh, não correu às mil maravilhas para
a aspirante à embaixatriz.
Alguns dias atrás, nas cúpulas
das torres mais altas do Tutelado, a emissária de primeiro-grau Jones entrava
em um ascensor com seu então chefe. As portas do mecanismo se fecharam e as
engrenagens se puseram a trabalhar para levar os dois aos níveis mais baixos da
cidade. Enquanto desciam, Liz não deixou de notar tensão no conselheiro
Perkins.
- Algum problema,
conselheiro? – Ela perguntou ao homem velho de barba prateada que contemplava a
vista da cidade, proporcionada pelos vitrais do ascensor em rápida descida.
- Talvez... Nada
que lhe concirna... – O sujeito corpulento respondeu a olhando de nariz erguido,
avaliando cada centímetro da moça, que abaixou a cabeça, em respeito. Por fim,
ele tornou a contemplar a cidade, suspirou e prosseguiu. – Diga-me, auxiliar...
Se fosse lhe dada a chance de reaver paz onde não há, por aqueles que antes se
recusavam a dialogar...E essa chance fosse tirada de você por aqueles que
concordam em discutir, o que você faria?
Elizabeth, pega de surpresa pela
revelação, entendeu que Perkins jamais lhe contaria o que se passou na sessão
do conselho a qual ela foi impedida de assistir. Teve de se contentar com a
metáfora, que já até tinha uma boa noção do que significava. Por fim respondeu
– Acho que eu tentaria fazer uma conciliação, paz é um objetivo geral, não uma
concessão temporária.
` O homem corpulento se empertigou em
seu fraque vermelho, que escondia que o uniforme verde-água da academia já
encolhera. Ele fingiu uma risada, não escondendo a impaciência – Adoro a
didática da confederação, simples, fácil de decorar...Queria ser embaixatriz só
lendo livros? Talvez andar comigo lhe ensine uma ou duas coisas a sobre Nova Éden
aqui de cima. Sobre o mundo caótico que esses velhos escondem. – Ele
gesticulava, perderá o decoro, apontava para cima, para os "velhos".
Minutos desconfortáveis se
passaram no ascensor até chegarem no nível 3, onde os monotrilhos levariam ao
porto. Caminharam da torre de conciliações extracontinentais até o monotrilho,
algumas quadras à diante, a luz alaranjada do Sol indicava que a noite, e a
próxima leva dos hípermergíveis continentais partiriam logo. Os ânimos do embaixador se acalmaram e o suor
brilhou em sua testa.
Chegaram a estação quando o
monotrilho se aproximava, na plataforma, de costas para os trilhos, o
conselheiro Perkins olhou em volta e se pôs a dar coordenadas para a
subalterna.
- Chegarei ao
Sétrium em quinze horas, de lá você receberá uma telemensagem minha. Enviará
documentos de rotina ao Capitão Loyd, da frota nas ilhas Folk...
Embora ouvi-se seu superior
atentamente, Elizabeth não entendeu o por quê de seu silêncio de forma tão
súbita; Foi então que a mancha vermelha se espalhou pelo osso externo de Armand
Perkins. O conselheiro caía em câmera lenta enquanto Liz tentava ampara-lo, que
sem compreender a situação, sentiu o calor escaldante e a luz cegante
envolverem seus sentidos; por fim, a onda de choque a lançou para longe do
conselheiro Perkins.
O zumbido em seus ouvidos a fez perceber
que ainda estava viva, seu corpo sentia o mármore quente da via do nível três,
seus olhos se abriram; mas nada muito claro ela pôde distinguir, fumaça e
gritos, sirenes e os sons das hélices de drones tripulados. Algo foi fisgado de
seu subconsciente conforme a memória se reanimava, e lá estava Perkins
moribundo e coberto de fuligem.
Ela
flexionou os músculos das pernas e sentiu alívio por estes ainda lhe
responderem ao se ver em pé novamente. Seus tímpanos não voltaram a plenitude
para ouvirem os próprios gritos de socorro enquanto ela tentava estancar o
sangue do Conselheiro. Olhou em volta quando a fumaça começava a se dissipar, o
monotrilho virara uma bola de fogo e entulho, pessoas sangravam e gritavam ao
seu redor.
Enquanto ela devaneava através
da cena de caos, Perkins a puxou pelo braço com força, para muito próximo de
sí. Os ouvidos dela a centímetros de seus lábios. – Suma daqui menina, não fale
com ninguém...N-Não confie isso a ninguém....Leve os disquetes do átrio Gama
com você. Entregue-os a Rashïd Bhrahal, na Baia de Bombay... – Ela se afastou
para olha-lo melhor, o homem estava semi-consciente, mas seu olhar suplicava ao
verdadeiro íntimo da moça. E ali o Conselheiro deixou o mundo.
Elizabeth se levantou e começou
a caminhar, dobrou a esquina e se desvencilhou de um ou dois paramédicos que
tentavam lhe examinar. A confusão era tamanha que a brigada de socorristas dava
prioridade aos mais feridos ou desfalecidos que ainda tinham chances. Chegou ao
conjunto de flats em que morava, numa tubulação domiciliar entre o nível 2 e 3.
Adentrou seu espaço e se olhou
no espelho decorado que enfeitava a sala, seu cabelos dourados estavam
cinza-escuro e chamuscados nas pontas; o uniforme verde-água estava rasgado em
vários pontos, coberto de carvão e pó, e o material que imitava pele humana em
seu braço biônico tinha sofrido danos com o calor da explosão, suas maçãs do
rosto estavam pálidas e enegrecidas pelo pranto seco.
Pela manhã, Liz atendeu ao chamado
de todos os oficiais à uma inspeção psicológica. De volta à academia, passou
pelo maçante ciclo de perguntas sobre como conheceu Perkins até o relato de sua
última conversa com ele. Após alguns minutos de incomoda averiguação, ela foi
finalmente removida da lista de suspeitos, por fim seguiu para o escritório da
supervisora geral de auxiliares.
- Major Sanders? –
Ela entrou no escritório, enrijecendo o corpo fazendo uma ínfima inclinação
para frente, um sinal de continência.
- Elizabeth, fico
feliz que esteja viva. – Havia uma monumental indiferença na voz da mulher de
meia idade, comprovada por seu corte militar nos cabelos ruivos, já
embranquecendo. – Dadas as circunstâncias. – A major apontou para o uniforme de
Liz, que apesar de usar uma jaqueta de couro por cima do macacão verde-água,
não escondia alguns cortes enegrecidos e sujos de sangue coagulado no tecido.
- Senhora, é por
isso que vim, quero licença imediata. Por motivos de trauma pessoal, não estou
apta ao desempenho de minhas funções. – Liz cruzara as mãos nas costas, usava
uma luva em sua mão esquerda, aquela que fazia parte do braço de metal.
- Claro, Elizabeth. Em seu caso é passível de
licença, você tem até o fim do inquérito, talvez três semanas. – A Major abriu sua
holocâmara pessoal, se dirigiu ao circulo, e de lá, como se pintasse em uma
tela, alterou os prontuários de Elizabeth, lhe garantindo afastamento.
A noticia a fez arrumar as malas
e partir em busca de alguém que a levasse pelos mares da Sapoya, território
oriental, determinada a cumprir o último desejo do Conselheiro Armand Perkins.
Antes de embarcar em um Hípermergível, Liz dissolveu o material sintético que
recobria sua prótese com uma solução de Dyatûra,
entendia que não teria tempo ou disposição durante a viagem de tratar para que
as camadas de pele falsa não apodrecessem.
Chegou em Nova Ambrósia cinco
dias depois, e de bar em bar perguntou por navegadores que discretamente fariam
passagem até as Terras de Al Fayet. Foi então que em sua segunda noite de
estadia num pub no Baixo Sétrium, que
entreouviu um conversa. Um Fayet falava com um oriental, um dos poucos que Liz
vira com os próprios olhos; falavam um dialeto peculiar do extremo sul do
oriente, das terras de Kitrï, distinguiu um nome pronunciado algumas vezes, Blake, seguido por Dwayne.
Sim, ela lembrava dele, grande
amigo de infância. O destino, ou as escolhas, quiseram que eles fossem para
lados opostos, mas ele nunca negou sua paixão por velejar, ou sua falta de
afinidade com regras. Por fim, ela se levantou do balcão onde bebia seu extrato
de pitanga gaseificada e se dirigiu aos homens. – Ei! Dwayne Blake... mora
aqui? Vocês conhecem? – Os dois se entreolharam.
-
Blake...mora...não faz trabalho pra nós... aquele Stroytch. – O feiyet era quase incompreensível, por trás dos piercings e ornamentos dos climas
quentes e arábicos dos quais ele vinha. O oriental se encolheu olhando para o
outro lado.
- E aonde ele
mora? O lugar? – Ela perguntou, impaciente.
- Mora
perto...porto... perto...praça, com... Ashkantryo...puteiros,
sim?... Mora ali perto. – O árabe gesticulava amplamente, depois parou e coçou
a longa barba pontuda, como uma estalagmite. – Vai encontrar... Blake, Dwayne?
- Preciso saber
onde ele mora, se me ajudar... Eu te ajudo também... – Ela piscou preguiçosamente,
se utilizando do fator menina-meiga.
O Feiyt deu um tapa no ombro do
oriental, seus olhos puxados como fendas não encontravam a figura de Liz, ele
aparentava estar desconfortável diante de sua presença – Diz pra Blake,
Dwayne... Que... Ymihr Zultzïah o espera... em meu... escritório... Ahbhet?
Ymihr anotou em um papel de
rosto o endereço e o entregou à garota, ela percorreu as ruas do Baixo Sétrium
até chegar ao antigo prédio indicado através do guardanapo, abriu os portões
sem dificuldades e foi até o apartamento indicado, bateu com força várias vezes
na porta, descontando a frustração e o ódio do momento.
Então ela se abriu, revelando
aquele adolescente que Liz não via desde os quinze anos, embora ele não
aparentasse mais nenhum sintoma de puberdade. Dwayne deixara os cabelos
castanhos crescerem e formarem um topete, sua barba mal feita lhe dava um ar de
maturidade; Ela notou que ele continuava se exercitando, pelo trapézio que
desenvolvera. Liz ajeitou os cabelos, controlando o sorriso quando ele a
reconheceu, sentiu que arranhara o couro cabeludo, precisava se lembrar que não
havia mais um estofamento de gel nas pontas dos dedos cibernéticos.
- Elizabeth?
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