quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Beyond The Blue Dot - Capítulo II

         

           Capítulo 2 - Um Mundo Complicado


               A luz do amanhecer iluminou os jardins suspensos nas coberturas dos arranha-céus do Tutelado de Strauss. A grande capital do continente de Nova Éden, um símbolo de modernidade, o ícone do potencial humano, As belas florestas verdes que envolviam Nova Éden e suas diversas cidades cessavam no Tutelado, substituídas por edifícios de mármore branco de quilômetros de altura, conectados por passarelas e monotrilhos, luzes de holografias por toda a parte.
                Abaixo das torres mais altas, seguiam rentes coberturas de outros edifícios, que serviam de avenidas, ruas e passarelas para transeuntes e suas Hoverpods; Motocicletas magnetizadas com um metal incomum que fluía por baixo do piso das vias públicas. Os níveis mais baixos da grande metrópole branca não eram desprezíveis por estarem mais abaixo na geografia, eram o ponto de encontro dos jovens e boêmios em uma madruga eterna. Sempre na penumbra que as diversas linhas de monotrilhos produziam ao subirem e descerem pavimentos e níveis de sociedade. Os Neons dos letreiros e hologramas físicos convidavam os passantes à margem da legalidade no continente edenista.
                Nova Éden, a grande matriz da sociedade ocidental. Líder econômica e com monopólio das correntes marítimas de Durkenheimmer, os edenistas faziam a proteção e segurança do livre comércio entre ST. Remmy, Colline Lumière e Jericoh. O órgão de manutenção dessa grande irmandade era a C.R.U.O; Comunhão das Repúblicas Unidas do Ocidente. Constantemente em atrito com o Conselho de Droukümurr; liderado pelo parlamento do Grande Abrigo e algumas repúblicas orientais, com exceção da família Al Fayet e seu Protetorado, que visavam apenas o comércio e enriquecimento de suas próprias terras.
                A arma secreta da C.R.U.O era a Federação das correntes do Oeste. Uma escola marítima fortíssima, revolucionando mais de uma vez as técnicas de navegação e combate náutico e terrestre. Recrutando novos membros em todos os polos econômicos e sociais da Comunhão.
                Foi o que aconteceu com Elizabeth Jones, filha do embaixador de Nova Éden em Nova Ambrósia, a garota sempre teve vaga garantida na academia da federação. Infelizmente nem tudo foi planejado na vida de Liz, como o menino da vizinhança passou a apelida-la; Descontentes com a recusa na diminuição de taxas portuárias, estivadores grevistas armaram um atentado contra o embaixador edenista. A bomba no veleiro Mk-74 da marinha de Nova Éden deixou sete feridos, e uma garota órfã de mãe e sem o braço esquerdo.
                Vários anos e algumas cirurgias depois, a jovem partiu para O Tutelado de Strauss. Determinada a subir de posições na confederação e ajudar na diplomacia do ocidente, para que injustiças que lhe custaram a mãe não tornassem a acontecer próximo a inocentes. Porém sua primeira semana como porta-voz do conselheiro camponês, denominados assim aqueles que vêm de Jericoh, não correu às mil maravilhas para a aspirante à embaixatriz.
                Alguns dias atrás, nas cúpulas das torres mais altas do Tutelado, a emissária de primeiro-grau Jones entrava em um ascensor com seu então chefe. As portas do mecanismo se fecharam e as engrenagens se puseram a trabalhar para levar os dois aos níveis mais baixos da cidade. Enquanto desciam, Liz não deixou de notar tensão no conselheiro Perkins.
- Algum problema, conselheiro? – Ela perguntou ao homem velho de barba prateada que contemplava a vista da cidade, proporcionada pelos vitrais do ascensor em rápida descida.
- Talvez... Nada que lhe concirna... – O sujeito corpulento respondeu a olhando de nariz erguido, avaliando cada centímetro da moça, que abaixou a cabeça, em respeito. Por fim, ele tornou a contemplar a cidade, suspirou e prosseguiu. – Diga-me, auxiliar... Se fosse lhe dada a chance de reaver paz onde não há, por aqueles que antes se recusavam a dialogar...E essa chance fosse tirada de você por aqueles que concordam em discutir, o que você faria?
                Elizabeth, pega de surpresa pela revelação, entendeu que Perkins jamais lhe contaria o que se passou na sessão do conselho a qual ela foi impedida de assistir. Teve de se contentar com a metáfora, que já até tinha uma boa noção do que significava. Por fim respondeu – Acho que eu tentaria fazer uma conciliação, paz é um objetivo geral, não uma concessão temporária.
`              O homem corpulento se empertigou em seu fraque vermelho, que escondia que o uniforme verde-água da academia já encolhera. Ele fingiu uma risada, não escondendo a impaciência – Adoro a didática da confederação, simples, fácil de decorar...Queria ser embaixatriz só lendo livros? Talvez andar comigo lhe ensine uma ou duas coisas a sobre Nova Éden aqui de cima. Sobre o mundo caótico que esses velhos escondem. – Ele gesticulava, perderá o decoro, apontava para cima, para os "velhos".
                Minutos desconfortáveis se passaram no ascensor até chegarem no nível 3, onde os monotrilhos levariam ao porto. Caminharam da torre de conciliações extracontinentais até o monotrilho, algumas quadras à diante, a luz alaranjada do Sol indicava que a noite, e a próxima leva dos hípermergíveis continentais partiriam logo.  Os ânimos do embaixador se acalmaram e o suor brilhou em sua testa.
                Chegaram a estação quando o monotrilho se aproximava, na plataforma, de costas para os trilhos, o conselheiro Perkins olhou em volta e se pôs a dar coordenadas para a subalterna.
- Chegarei ao Sétrium em quinze horas, de lá você receberá uma telemensagem minha. Enviará documentos de rotina ao Capitão Loyd, da frota nas ilhas Folk... ­
                Embora ouvi-se seu superior atentamente, Elizabeth não entendeu o por quê de seu silêncio de forma tão súbita; Foi então que a mancha vermelha se espalhou pelo osso externo de Armand Perkins. O conselheiro caía em câmera lenta enquanto Liz tentava ampara-lo, que sem compreender a situação, sentiu o calor escaldante e a luz cegante envolverem seus sentidos; por fim, a onda de choque a lançou para longe do conselheiro Perkins.
                O zumbido em seus ouvidos a fez perceber que ainda estava viva, seu corpo sentia o mármore quente da via do nível três, seus olhos se abriram; mas nada muito claro ela pôde distinguir, fumaça e gritos, sirenes e os sons das hélices de drones tripulados. Algo foi fisgado de seu subconsciente conforme a memória se reanimava, e lá estava Perkins moribundo e coberto de fuligem.
                Ela flexionou os músculos das pernas e sentiu alívio por estes ainda lhe responderem ao se ver em pé novamente. Seus tímpanos não voltaram a plenitude para ouvirem os próprios gritos de socorro enquanto ela tentava estancar o sangue do Conselheiro. Olhou em volta quando a fumaça começava a se dissipar, o monotrilho virara uma bola de fogo e entulho, pessoas sangravam e gritavam ao seu redor.
                Enquanto ela devaneava através da cena de caos, Perkins a puxou pelo braço com força, para muito próximo de sí. Os ouvidos dela a centímetros de seus lábios. – Suma daqui menina, não fale com ninguém...N-Não confie isso a ninguém....Leve os disquetes do átrio Gama com você. Entregue-os a Rashïd Bhrahal, na Baia de Bombay... – Ela se afastou para olha-lo melhor, o homem estava semi-consciente, mas seu olhar suplicava ao verdadeiro íntimo da moça. E ali o Conselheiro deixou o mundo.
                Elizabeth se levantou e começou a caminhar, dobrou a esquina e se desvencilhou de um ou dois paramédicos que tentavam lhe examinar. A confusão era tamanha que a brigada de socorristas dava prioridade aos mais feridos ou desfalecidos que ainda tinham chances. Chegou ao conjunto de flats em que morava, numa tubulação domiciliar entre o nível 2 e 3.
                Adentrou seu espaço e se olhou no espelho decorado que enfeitava a sala, seu cabelos dourados estavam cinza-escuro e chamuscados nas pontas; o uniforme verde-água estava rasgado em vários pontos, coberto de carvão e pó, e o material que imitava pele humana em seu braço biônico tinha sofrido danos com o calor da explosão, suas maçãs do rosto estavam pálidas e enegrecidas pelo pranto seco.
                Pela manhã, Liz atendeu ao chamado de todos os oficiais à uma inspeção psicológica. De volta à academia, passou pelo maçante ciclo de perguntas sobre como conheceu Perkins até o relato de sua última conversa com ele. Após alguns minutos de incomoda averiguação, ela foi finalmente removida da lista de suspeitos, por fim seguiu para o escritório da supervisora geral de auxiliares.
- Major Sanders? – Ela entrou no escritório, enrijecendo o corpo fazendo uma ínfima inclinação para frente, um sinal de continência.
- Elizabeth, fico feliz que esteja viva. – Havia uma monumental indiferença na voz da mulher de meia idade, comprovada por seu corte militar nos cabelos ruivos, já embranquecendo. – Dadas as circunstâncias. – A major apontou para o uniforme de Liz, que apesar de usar uma jaqueta de couro por cima do macacão verde-água, não escondia alguns cortes enegrecidos e sujos de sangue coagulado no tecido.
- Senhora, é por isso que vim, quero licença imediata. Por motivos de trauma pessoal, não estou apta ao desempenho de minhas funções. – Liz cruzara as mãos nas costas, usava uma luva em sua mão esquerda, aquela que fazia parte do braço de metal.
 - Claro, Elizabeth. Em seu caso é passível de licença, você tem até o fim do inquérito, talvez três semanas. – A Major abriu sua holocâmara pessoal, se dirigiu ao circulo, e de lá, como se pintasse em uma tela, alterou os prontuários de Elizabeth, lhe garantindo afastamento.
                A noticia a fez arrumar as malas e partir em busca de alguém que a levasse pelos mares da Sapoya, território oriental, determinada a cumprir o último desejo do Conselheiro Armand Perkins. Antes de embarcar em um Hípermergível, Liz dissolveu o material sintético que recobria sua prótese com uma solução de Dyatûra, entendia que não teria tempo ou disposição durante a viagem de tratar para que as camadas de pele falsa não apodrecessem.
                Chegou em Nova Ambrósia cinco dias depois, e de bar em bar perguntou por navegadores que discretamente fariam passagem até as Terras de Al Fayet. Foi então que em sua segunda noite de estadia num pub no Baixo Sétrium, que entreouviu um conversa. Um Fayet falava com um oriental, um dos poucos que Liz vira com os próprios olhos; falavam um dialeto peculiar do extremo sul do oriente, das terras de Kitrï, distinguiu um nome pronunciado algumas vezes, Blake, seguido por Dwayne.
                Sim, ela lembrava dele, grande amigo de infância. O destino, ou as escolhas, quiseram que eles fossem para lados opostos, mas ele nunca negou sua paixão por velejar, ou sua falta de afinidade com regras. Por fim, ela se levantou do balcão onde bebia seu extrato de pitanga gaseificada e se dirigiu aos homens. – Ei! Dwayne Blake... mora aqui? Vocês conhecem? ­– Os dois se entreolharam.
- Blake...mora...não faz trabalho pra nós... aquele Stroytch. – O feiyet era quase incompreensível, por trás dos piercings e ornamentos dos climas quentes e arábicos dos quais ele vinha. O oriental se encolheu olhando para o outro lado.
- E aonde ele mora? O lugar? – Ela perguntou, impaciente.
- Mora perto...porto... perto...praça, com... Ashkantryo...puteiros, sim?... Mora ali perto. – O árabe gesticulava amplamente, depois parou e coçou a longa barba pontuda, como uma estalagmite. – Vai encontrar... Blake, Dwayne?
- Preciso saber onde ele mora, se me ajudar... Eu te ajudo também... – Ela piscou preguiçosamente, se utilizando do fator menina-meiga.
                O Feiyt deu um tapa no ombro do oriental, seus olhos puxados como fendas não encontravam a figura de Liz, ele aparentava estar desconfortável diante de sua presença – Diz pra Blake, Dwayne... Que... Ymihr Zultzïah o espera... em meu... escritório... Ahbhet?
                Ymihr anotou em um papel de rosto o endereço e o entregou à garota, ela percorreu as ruas do Baixo Sétrium até chegar ao antigo prédio indicado através do guardanapo, abriu os portões sem dificuldades e foi até o apartamento indicado, bateu com força várias vezes na porta, descontando a frustração e o ódio do momento.
                Então ela se abriu, revelando aquele adolescente que Liz não via desde os quinze anos, embora ele não aparentasse mais nenhum sintoma de puberdade. Dwayne deixara os cabelos castanhos crescerem e formarem um topete, sua barba mal feita lhe dava um ar de maturidade; Ela notou que ele continuava se exercitando, pelo trapézio que desenvolvera. Liz ajeitou os cabelos, controlando o sorriso quando ele a reconheceu, sentiu que arranhara o couro cabeludo, precisava se lembrar que não havia mais um estofamento de gel nas pontas dos dedos cibernéticos.
- Elizabeth?
- Oi, D. – Ela pegou a mala do chão  – Posso entrar?

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